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terça-feira, 12 de agosto de 2014

O Homem que Assobia



O homem que assobia perdeu o medo da morte. Não é que seja destemido — sua coragem ganhou o desafio. Ele enche o pulmão com as queixas que não declara e faz música. Não reclama, este sujeito. Já aprendeu que desdizer a realidade aumenta o sofrimento e não tem mais tempo para isso. Desce a rua com esta vela ao contrário, furando o vento.

O homem que assobia diz aos pássaros, conversa com eles pelas calçadas anunciando que ainda está vivo. Um telegrama que passa a ser necessário: informar que ainda ele está em pé, e não apenas sobre as pernas, ele desfila a própria canção.

O homem que assobia não estará velho, ele não se apressa em amontoar os anos, não exibe medalhas por existir. Aprendeu que é fruto do acaso, sua vida também, uma sorte biológica, um número que saiu no bingo. Não se trata de mérito. Viu que apenas cumpre seu destino de homem sem nenhuma importância, não vale mais que uma abelha e por isso gosta delas também.

O homem que assobia não procura saber no passado, quer sabor no momento. Pergunta aos mais novos, cada vez mais novos e, por fim, pergunta aos bebês porque eles é que sabem. Eles respondem com seus olhos imensos e muito abertos que nunca se viu o suficiente. Amadurecer é perder o verde e virar um fruto no ponto, pronto para as lagartas e vermes.

O homem que assobia não tem medo de sentir dores porque é a presença delas que o ajuda a se proteger. Ele escuta e atende a doença sem jamais segui-la, como quem usa um farol. Ele não se anestesia, não desliga o contato. Mergulha em uma banheira quente e faz massagens em seu corpo porque seu corpo lhe pertence, as dores lhe pertencem, a doença lhe pertence.

O homem que assobia não está chamando atenção: é um encantador de sua própria alma e precisa, mais que tudo, mantê-la sempre atraída, sempre atenta. Ele sopra para manter as brasas. Ele é deus, com seu próprio sopro divino.