sexta-feira, 23 de janeiro de 2009 | N° 15857
LAZER EM RISCO
Quando o estresse atrapalha as férias
Tradicional período de descanso, as férias podem se transformar em fonte de estresse. O mais surpreendente, segundo uma pesquisa, é a revelação do motivo que vem estragando os momentos de lazer dos brasileiros. Seis entre 10 pessoas colocam a convivência em família na sua lista de fator estressante do período de férias. É o que releva um estudo feito pelo International Stress Management Association do Brasil (Isma-BR). O tema foi tratado no programa Polêmica da Rádio Gaúcha, ontem.
Realizado no ano passado, o estudo ouviu 300 pessoas em Porto Alegre e São Paulo, todos ativos no mercado de trabalho, para desvendar os fatores que contribuem para elevar a tensão durante o período inicialmente reservado para se ver livre dela. Além dos atritos domésticos, o levantamento constatou que os gastos exagerados durante esse período são a segunda causa do aumento do nível da tensão, com 48% das citações. Visitas inesperadas e hóspedes inconvenientes aparecem no terceiro lugar do ranking da Isma-BR. Não conseguir se desligar do trabalho durante as férias foi outro item referido em em quarto lugar, com 18%.
O fato de os conflitos familiares encabeçarem a lista surpreende a presidente da entidade, a doutora em Psicologia Ana Maria Rossi.
– No consultório, já havia constatado que grande parte das pessoas voltava das férias precisando de férias. Ao investigar as causas, percebemos que a principal fonte de estresse era justamente a convivência em família que a maioria busca durante a maior parte do ano – detalha a especialista.
Apesar da surpresa, Ana Maria afirma que não é difícil entender as razões por trás do resultado. Um deles está na nova dinâmica das famílias, onde o tempo de convívio com os filhos está mais escasso, e as relações, mais superficiais. Por causa da correria durante a semana, as pessoas reservam o verão para cumprir todas as pendências familiares adiadas durante o ano. Enfileram encontros de família, churrascos com amigos, atividades com os filhos. A falta de intimidade cobra o seu preço. Com frequência, constatada pela pesquisa, os conflitos familiares suplantam os momentos de prazer.
– As férias não devem ser para resgatar uma relação em perigo e verbalizar tudo o que não se disse durante o ano – alerta Ana Maria.
Especialistas acreditam que o estresse surge de uma forma errada de encarar o tão esperado período de descanso. A médica e psicoterapeuta Cinthya Verri afirma que as pessoas têm a ideia errada de que férias perfeitas não podem ter conflitos, dramas ou imprevistos.
– Temos a fantasia de que podemos controlar tudo, até mesmo o clima. Não queremos ter trabalho e queremos relaxar de qualquer jeito. Mas isso não é aproveitar. Ser íntimo de quem a gente ama dá trabalho – diz Cinthya.
silvia.lisboa@zerohora.com.br
SILVIA LISBOA
23 de janeiro de 2009 | N° 15857
LAZER EM RISCO
A busca pela felicidade completa
É consenso entre especialistas que o estresse nas férias surge de um comportamento comum de acreditar que a felicidade nesse período só estará completa se houver momentos de prazer. Encaradas dessa forma, elas podem se tornar estressantes quando os fatos fogem do script. E com frequência, é isso que ocorre.
Presente no programa Polêmica de ontem, que debateu as férias e seus reflexos nas relações em família, o psiquiatra Nelio Tombini acredita que as pessoas têm de parar de atribuir sua felicidade a fatos externos, sobre os quais não se têm controle.
– Se sua felicidade durante as férias depende do sol, você está ralado – afirma.
O primeiro passo para ter um veraneio prazeroso, diz Tombini, é parar de procurar as alegrias fora de si. É a própria pessoa que precisa aprender a se bastar sozinha. Só assim ela conseguirá tirar proveito das férias mesmo quando o tempo está nublado ou quando aquele parente inconveniente resolveu aparecer para o jantar.
– Quem sabe conviver consigo próprio, sabe conviver com os outros. É preciso buscar a sua independência – disse Tombini.
Boas ideias podem ajudar na convivênciaA médica e psicoterapeuta Cinthya Verri acredita que as férias podem ser uma grande oportunidade para aumentar a intimidade de um casal e entre pais e filhos. Mas que ela não surgirá naturalmente durante os dias de ócio.
– Buscar a aproximação com quem se ama não é fácil. A intimidade não é mansa, não é tranquila. Em vez de esperar que as coisas aconteçam durante as férias, as pessoas precisam fazer as coisas acontecerem. É preciso se concentrar para que as coisas deem certo – explica Cinthya, que sugeriu o tema do programa ao apresentador, o jornalista Lauro Quadros.
Além de se conscientizar de que o veraneio pode, sim, ser cheio de imprevistos, a escritora Valesca de Assis sugere que é preciso ter boas ideias para melhorar a convivência em família neste período, citada como o principal fonte de estresse. Valesca se referiu a uma ideia executada por sua sogra que poupou inúmeros conflitos. Com dois filhos homens, ela montou duas cozinhas na casa de praia. Assim, as famílias dos dois filhos homens poderiam organizar suas refeições de forma independente:
– Hoje se um faz uma janta especial, convida o outro para comer.
Também participaram do programa a psicóloga Stella Breitman e o crítico de cinema Hiron Goidanich.
Para contornar a ansiedade |
STELLA BREITMAN, PSICÓLOGA |
“As pessoas criam muitas expectativas em cima das férias, ficam excitadas e egoístas. Só porque são férias, não é motivo para ninguém ficar relapso com os outros.” |
CINTHYA VERRI, MÉDICA E PSICOTERAPEUTA |
“Férias em família são uma oportunidade para melhorar a intimidade, mas não é fácil. A intimidade não é mansa, não é tranquila, dá trabalho. Em geral, as pessoas pensam que aproveitar é só relaxar. Isso não é aproveitar. Para andar numa montanha-russa, você precisa comprar ingresso, apertar os cintos e, só então, consegue curtir a diversão.” |
VALESCA DE ASSIS, ESCRITORA |
“Férias em família sempre tendem a ser mais estressantes. Prevendo isso, minha sogra que tem dois filhos criou uma solução perfeita para reduzir os conflitos: fez duas cozinhas na casa de praia.” |
HIRON CARDOSO GOIDANICH, CRÍTICO DE CINEMA |
“O Natal mais feliz que passei foi com a minha mulher, Daisy, na Praia do Rosa. Era ela, eu e milhares de estrelas no céu.” |
NELIO TOMBINI, PSIQUIATRA |
“Férias serão sempre estressantes para as famílias que não têm intimidade, que convivem pouco durante o ano, que não costumam ter espaços de convívio em que cada um tem a oportunidade de falar um pouco de si, do que está sentindo.” |