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sábado, 31 de janeiro de 2009

Melhor assim?


31 de janeiro de 2009 | N° 15865 (pág 15)

ARTIGOS

Melhor assim?, por Cínthya Verri *

Recebi a notícia sobre Mariana Bridi Costa na fila do supermercado. Vazou do meu iPod. No jornal, a modelo capixaba de 20 anos teve as extremidades amputadas, estava em choque séptico e poderia morrer.

O primeiro pensamento veio de relance: agora é melhor que essa menina morra. Imaginei-me acordando no leito de hospital, debilitada, com cotos ao final dos antebraços e pernas. Modelo? Viveria de quê? Fiquei assustada com minha morbidez.

Numa cascata natural, fui serenando. Mais animada. Pensei na americana Kellie O’Farrell, que sofreu queimaduras aos dois anos no rosto e que fez campanhas pelo mundo. Lembrei-me da modelo surda-muda Brenda Costa, hoje vivendo na França, aprendendo a ouvir com seu implante coclear, e de CariDee English, a modelo que teve 70% do seu corpo coberto por psoríase na adolescência e que venceu um dos maiores concursos de beleza da televisão. Eu, que naquele momento inaugurei Mariana em mim, antes de me despedir, transitei pelo luto.

No luto, podemos até ter dúvidas, mas no fundo sabemos que a dor vai passar. Ficamos desanimados, pesados, a vontade de fazer qualquer atividade fica abafada, é quando nos distanciamos do amor. Mas luto não é uma doença: a confiança existe e seguiremos adiante assim que for possível.

Se Mariana acordasse, talvez não fizesse um luto. Talvez tivesse melancolia. A diferença entre eles é que adoecemos quando sacrificamos a confiança. Sofrer uma perda com melancolia é não perder. Experimentamos a ilusão de que o tempo não se despede. A melancolia reprisa: Mariana perderia as mãos e os pés todos os dias. Não encontramos maneiras de avançar. Não acreditamos num porvir, numa sequência. Quando estamos melancólicos, não existimos sem o que perdemos. Somos a parte perdida e não o que resta.

Se Mariana acordasse, poderia viver além da perda. Sonhei que faria catálogos de botas e luvas, calçaria órteses magníficas, perduraria longamente, alcançaria a biocibernética no futuro.

Mas Mariana veio a falecer. O que me entristeceu é que o meu primeiro pensamento, absolutamente normal, foi o último pensamento da maioria das pessoas que acompanhou o caso. Escutei de muitos amigos: melhor assim. Vejo o quanto tendemos a fraquejar. Preferimos esnobar a vida a fazer com que aconteça diferente do que imaginamos.

Morrer não é uma injustiça. Muito menos um alívio.

*Médica e psicoterapeuta

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