Joceleine. Até o nome facilitava serviço:
— Jooo-ce!
Gritava a tia Alberta, famosa pela colher de ferro sobre as empregadas. Mas não com Joce.
— Joce é um doce!
Dizia a tia, orgulhosa da criada. A menina não fazia por menos: lavava, picava, triturava, passava, lustrava. Era rápida e nem precisava mandar.
Cozinheira de mão cheia, uma luxúria nas doçuras: Barriga de Freira, Toucinho do Céu, Papo-de-anjo, Fatia-de-bispo, Pão-de-ló, Bolo de Reis, Beijos de Freira, Pastéis de Santa Clara, Bolo da Abadessa, Pudim à Abade de Priscos.
E os salgados? Pura gula. Tinha a pitadinha zelosa para o bobó de frango, bolinhos de batata crua, coloridos bifes de cenoura, almôndegas ao molho, macarronada especial, farofinha e nhoque. A família engordava.
Joce era uma santa. Não dava um pio. Não se queixava, não pedia, não arrependia. A moreninha saiu-se da linha do xingu, quase indiazinha. Aprendia tudo a toque de caixa. A tia tinha paciência e levava mérito: ensinou cada um dos quitutes. E agora, depois de um ano, cada vez mais ajeitada - as roupas, os sapatinhos. Graciosa que só vendo. A tia ajudando a mocinha a aprender a ler, queria que ela voltasse pra escola. A bem da verdade, a tia queria a menina pra filha.
Teve quatro marmanjos. Dois ainda morando com ela. Sendo assim, a tia vivia mesmo como rainha no meio de cinco machos, contando com o marido. Cada um mais brutamontes que o outro. Sempre aprontando, a tia quase arrancava os cabelos. Soltos nas malandragens com as moças, ainda mais que Leonardo e Cícero, os dois remanescentes, trabalhavam na estrada. Eram caminhoneiros. Aí, já viu.
Tanta oração guardava validade: Alberta sabia reconhecer a bondade porque Joce era a bênção que ela recebia do senhor. Tinha certeza.
Passou o natal e a tia precisava se ausentar uns dias para visitar um familiar adoentado. Antes de ir ameaçou:
— Ninguém rela um dedo na Joce. Ouviram? Nem um dedo sequer!
Leonardo e Cícero assentiram na hora, com cara de coroinhas. Mas nem bem a tia arrancou com as malas, Cícero foi direto bolinar a indiazinha no fogão.
Ai, que dó: a Joce nem sabia esquivar. Leonardo rachou atrás de Cícero:
— Pára com isso, cara! Que pensa que está fazendo? A Joce é o xodó da mãe!
Cícero fez que nem viu. Passou o dia provocando a bichinha. Mas Leonardo fez a voz da consciência - insistiu até que Cícero tomou centro.
De manhazinha, acordou a tempo de ver Joce saindo fininha do quarto de Leonardo.
Cínthya Verri's "Joce"
Nanking e lápis sobre papel
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