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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Carta

Escreveu-lhe, então, uma carta que dizia assim:
"Amor,
não queria que tivesses me conhecido dessa maneira - não assim, entregue à minha condição de mulher. Porque, por dentro, sou a mulher de Vinícius (com algo além da beleza, com essa coisa que chora: uma tristeza de se saber mulher - feita apenas para amar e para sofrer pelo seu amor).
Por dentro, amor, sou Chico Buarque, também eu atrás da porta, reclamando e chorando baixinho.
Sou essa, amor, além das outras. Não te assustes tu também; porque eu mesma estou apavorada da falta tanta que sinto e da dor no coração.
E ainda por cima esse medo. Esse medo horrível e real, tão real, do fim que é imprevisível, ainda que certo.
O medo é tanto, que eu, na contra-fobia, me afasto e tomo as devidas providências - te perco de vez: eu me lanço no mundo de novo. Sem ti, é verdade. Mas, também sem a espera tão doída por ti ou por teu amor mais honesto, mais entregue.
Planejo uma retirada estratégica, à francesa - e tenho medo de fazer amor contigo.
Não quero que me vejas pela última vez, como quem vai ao velório. Não, essa não é a imagem de mim (embora também seja).
Ficas com minha saída elegante, pela porta da frente.
Fico-me pura saudade".

Carta

Escreveu-lhe, então, uma carta que dizia assim:
"Amor,
não queria que tivesses me conhecido dessa maneira - não assim, entregue à minha condição de mulher. Porque, por dentro, sou a mulher de Vinícius (com algo além da beleza, com essa coisa que chora: uma tristeza de se saber mulher - feita apenas para amar e para sofrer pelo seu amor).
Por dentro, amor, sou Chico Buarque, também eu atrás da porta, reclamando e chorando baixinho.
Sou essa, amor, além das outras. Não te assustes tu também; porque eu mesma estou apavorada da falta tanta que sinto e da dor no coração.
E ainda por cima esse medo. Esse medo horrível e real, tão real, do fim que é imprevisível, ainda que certo.
O medo é tanto, que eu, na contra-fobia, me afasto e tomo as devidas providências - te perco de vez: eu me lanço no mundo de novo. Sem ti, é verdade. Mas, também sem a espera tão doída por ti ou por teu amor mais honesto, mais entregue.
Planejo uma retirada estratégica, à francesa - e tenho medo de fazer amor contigo.
Não quero que me vejas pela última vez, como quem vai ao velório. Não, essa não é a imagem de mim (embora também seja).
Ficas com minha saída elegante, pela porta da frente.
Fico-me pura saudade".

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pedido de Casamento

Cansada estava.
Ela se sentia em retalhos – os retalhos mais bonitos, todos reconfigurados em um patchwork delicado e gentil.
Mas, ela, rasgando peito adentro, incisura do amor, ouviu o chorar do homem.

Ela viu. Viu seu próprio intento.

E disse a si mesma:
Que é isso? Que fazes?
E respondeu a ela:
Me deixa viver.

A outra disse muitas justificativas, todas muito coerentes, todas elas razoáveis, avisava que aquilo não ia dar certo. Mas ela respondia:
E daí? E daí se não der certo?
A outra alertava:
Humilhação! Não vês!? Vai nos fazer humilhadas!
E ela, firme:
Nada. Vais ver só.

Foi assim que aconteceu, estou contando o que aconteceu – foi bem assim:
propôs a ele, então, casamento. Ofereceu-lhe seu pouco que era seu tudo. Disse a ele, diante de si mesma, que se abria para recebê-lo.
Disse-lhe:

Olha, vamos fazer uma vida nós dois.

Ele não quis.
Disse a ela que esperasse (a hora, a grana, a grama verde ficar amarela, as folhas caírem todas roxas, as veias fraquejarem, a menstruação vir, tartaruga brotar na areia, Alice crescer de novo, a limpeza do aquário – enfim, todas aquelas garantias de que daria certo).

A outra de dentro se retorcia de tanto rir. Ela chorava orgulhosa de ter sido si mesma – apesar de todos, tantos, claríssimos sinais de contramão. Mas, ela tinha ido. E isso era uma nova fronteira para si mesma.
Vencer uma fronteira não pode ser humilhante, pensava – a aninhar-se.
Mas o consolo não vinha. Porque colo, não tinha.
E a tristeza que dá, ela sabia de antemão. E já esperava por ela.
O outro não entrou, mas entrou a tristeza, faminta, loguinho, por dentro das frestas do peito. A tristeza a encheu toda, todinha, de lágrima. Então chorou. E falou bem alto na poesia.

A outra? Calou-se.
Quando fala a tristeza poética, todas restam emudecidas de tanto respeito.

Pedido de Casamento

Cansada estava.
Ela se sentia em retalhos – os retalhos mais bonitos, todos reconfigurados em um patchwork delicado e gentil.
Mas, ela, rasgando peito adentro, incisura do amor, ouviu o chorar do homem.

Ela viu. Viu seu próprio intento.

E disse a si mesma:
Que é isso? Que fazes?
E respondeu a ela:
Me deixa viver.

A outra disse muitas justificativas, todas muito coerentes, todas elas razoáveis, avisava que aquilo não ia dar certo. Mas ela respondia:
E daí? E daí se não der certo?
A outra alertava:
Humilhação! Não vês!? Vai nos fazer humilhadas!
E ela, firme:
Nada. Vais ver só.

Foi assim que aconteceu, estou contando o que aconteceu – foi bem assim:
propôs a ele, então, casamento. Ofereceu-lhe seu pouco que era seu tudo. Disse a ele, diante de si mesma, que se abria para recebê-lo.
Disse-lhe:

Olha, vamos fazer uma vida nós dois.

Ele não quis.
Disse a ela que esperasse (a hora, a grana, a grama verde ficar amarela, as folhas caírem todas roxas, as veias fraquejarem, a menstruação vir, tartaruga brotar na areia, Alice crescer de novo, a limpeza do aquário – enfim, todas aquelas garantias de que daria certo).

A outra de dentro se retorcia de tanto rir. Ela chorava orgulhosa de ter sido si mesma – apesar de todos, tantos, claríssimos sinais de contramão. Mas, ela tinha ido. E isso era uma nova fronteira para si mesma.
Vencer uma fronteira não pode ser humilhante, pensava – a aninhar-se.
Mas o consolo não vinha. Porque colo, não tinha.
E a tristeza que dá, ela sabia de antemão. E já esperava por ela.
O outro não entrou, mas entrou a tristeza, faminta, loguinho, por dentro das frestas do peito. A tristeza a encheu toda, todinha, de lágrima. Então chorou. E falou bem alto na poesia.

A outra? Calou-se.
Quando fala a tristeza poética, todas restam emudecidas de tanto respeito.

Pedido de Casamento2

E dentro, mais lá dentro ainda,
Respirava aliviada aquela
(Aquela bem do canto)
Que tinha medo
(Mas muito medo)
De ser feliz.

Pedido de Casamento2

E dentro, mais lá dentro ainda,
Respirava aliviada aquela
(Aquela bem do canto)
Que tinha medo
(Mas muito medo)
De ser feliz.