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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pedido de Casamento

Cansada estava.
Ela se sentia em retalhos – os retalhos mais bonitos, todos reconfigurados em um patchwork delicado e gentil.
Mas, ela, rasgando peito adentro, incisura do amor, ouviu o chorar do homem.

Ela viu. Viu seu próprio intento.

E disse a si mesma:
Que é isso? Que fazes?
E respondeu a ela:
Me deixa viver.

A outra disse muitas justificativas, todas muito coerentes, todas elas razoáveis, avisava que aquilo não ia dar certo. Mas ela respondia:
E daí? E daí se não der certo?
A outra alertava:
Humilhação! Não vês!? Vai nos fazer humilhadas!
E ela, firme:
Nada. Vais ver só.

Foi assim que aconteceu, estou contando o que aconteceu – foi bem assim:
propôs a ele, então, casamento. Ofereceu-lhe seu pouco que era seu tudo. Disse a ele, diante de si mesma, que se abria para recebê-lo.
Disse-lhe:

Olha, vamos fazer uma vida nós dois.

Ele não quis.
Disse a ela que esperasse (a hora, a grana, a grama verde ficar amarela, as folhas caírem todas roxas, as veias fraquejarem, a menstruação vir, tartaruga brotar na areia, Alice crescer de novo, a limpeza do aquário – enfim, todas aquelas garantias de que daria certo).

A outra de dentro se retorcia de tanto rir. Ela chorava orgulhosa de ter sido si mesma – apesar de todos, tantos, claríssimos sinais de contramão. Mas, ela tinha ido. E isso era uma nova fronteira para si mesma.
Vencer uma fronteira não pode ser humilhante, pensava – a aninhar-se.
Mas o consolo não vinha. Porque colo, não tinha.
E a tristeza que dá, ela sabia de antemão. E já esperava por ela.
O outro não entrou, mas entrou a tristeza, faminta, loguinho, por dentro das frestas do peito. A tristeza a encheu toda, todinha, de lágrima. Então chorou. E falou bem alto na poesia.

A outra? Calou-se.
Quando fala a tristeza poética, todas restam emudecidas de tanto respeito.

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