....

segunda-feira, 13 de julho de 2009

E eu fiquei no já vou já.



Maggie Taylor´s 'The Patient Gardener'
AdobePhotoshop, 2007




Quando sentei no avião, ofereceram café. Iria me arrepender. Mas a oferta juntou-se à ânsia. Inventei que, dessa vez, valeria a pena. Sua fumaça já me bastaria. Há café que deseja ser chá e não enfrentou terapia.

A viagem era para Manaus. Encostei-me à saudade imensa. A Amazônia é o lugar mais cortês que conheço. Vestida de gentileza. Lá, o céu fica cor-de-rosa quinze minutos antes de chover. O resto do dia faz calor de torrar grãos e dedos. Fim de semana promete quentura. O igarapé estará fresco. O Tacacá curará a bebedeira. O pirarucu doará seu filé para a mesa. A tapioca recuperará os sentidos. Maniçoba não será para todos, mas para mim.

Vivi doze meses nas margens do encontro de dois rios. O Amazonas é um rio nervoso, não aceita obras nas bordas. Tem fúria que se mostra na cor barrenta de inquietação. Já o Tapajós é azul-fundo, um rio de companhia. Cresci como as folhas largas e verde-esmeralda de tanta chuva e umidade. Isso já faz quase uma década. Mas ninguém sai ileso depois de morar no norte. O norte fecunda a gente de boto, de miragem, de índio. Desaprende-se a míngua. Tropical é um clima que molha os cabelos antes da chuva e não escorre da pele. Os ritmos de dançar têm acordeões, guitarras ou batuques que adormecem a crítica. Onde a cultura sabe ser festa.

O rio é deitado e conecta toda a terra. Quem já viajou mais de dois dias em um barco, sabe a aguda sensação de que a água não tem fim. O amazonas dá a proporção minúscula que a gente tem. É como ganhar colo de um pai d´água. A floresta se impunha sobre minha fragilidade. Eu me sentia sem garras, sem presas, um bicho esquecido de bicho. Um bicho que não podia nem com os mosquitos. Mas até eles são polidos – mosquitos picam entre cinco e sete, em dois turnos: manhã e noite.

Da culinária amazonense e sua fortuna, o que mais molha a boca é pensar nas frutas. Não preciso de previsão de tempo. O Cupuaçu estará ávido pelo chocolate. A banana, de casca vermelha fogo, poderá ser sobremesa - é um enroladinho de doçura natural. O taperebá terá uma suavidade incansável. A graviola cobrará seu leite antes de entregar-se completamente. Os abacaxis serão amarelos de sol e amenos de brisa. Os jambos se jogarão dos galhos e cumprirão o que as peras sempre sonharam.

E sabendo disso, com plena consciência do custo para atravessar todas as horas de vôo e cumprir a distância de anos, na conexão, no aeroporto de Guarulhos, comi uma salada de frutas. Era um potinho acrílico com frutinhas em tons pastel. Eram ariscas, roçaram a boca e já informaram que não abraçariam a língua.

Menti primeiro que me entreguei ao engano pela aparência nordestina da atendente. Tinha uma vizinhança de mar, tons cantados na fala, sorriso ananaseiro. Uma imediata do norte. Mas sabia que não era a razão.

Depois fraudei pensando que era a saudade espumando os olhos, embaçando a vista. E isso já era meia verdade.

Mas o que existe é um fato inegável: nunca me guardo para o melhor. Por salivar demais. Por medo de morrer pelo caminho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário