....

sábado, 25 de dezembro de 2010

Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar.



EPITÁFIO
O amor é um crime 
que nunca fica prescrito*.

*@carpinejar


Eu acredito em amor defeituoso, corcunda de Notre-Dame, cheio de calabouços e górgonas, além das esmeraldas; de estrada tortuosa, de vexames e chuva de granizo. Amor de verdade, pra mim, tem que ter geografia completa, cartografia generosa e acidentes de percurso. O modo como percorremos é que nos define.

Mulher perdoa, mas não esquece. Homem esquece antes mesmo de ser perdoado. Acho que querem nos influenciar.

Mulher tem dessas coisas. Luta como louca pra deixar a lembrança afogada no calendário; amordaça a raiva daquilo que ele disse pra seguir adiante; parafusa o caixão prendendo o zumbi. Mas o fundo é falso e se remexe. O que não mata, depois enche o saco.

Já o homem, sem nenhum esforço, sem uma gotinha de suor, apressa a amnésia. Não gosta, apaga. Simples assim.

Gorda auto-indulgência que eles se oferecem. Pelo menos o Bitols.

Quando começamos a namorar, ele recém estava saindo de casa. Eu caí de paraquedas no meio da confusão mental, em plena epilepsia do divórcio. Meti a colher para segurar sua língua. Ergui meus bálsamos de apaixonada e fui tratando de engolir os achaques, as crises, as maledicências. Haja digestão:

- Foi perereca, rã, salamandra, sapo-boi, sapo verde, marrom, papudo, vermelho, da indonésia.

Fiz de um tudo para ajudar durante a tormenta, crente na bonança. Ele mesmo me alertou que consistia em fase trêmula, exigia cuidados extras, caprichos de convalescente. Prometeu que me levaria no colo quando chegasse minha vez de precisar.

Vantagem das fases críticas é que estaremos mais juntos depois. No amor, as contrariedades viram remuneração. Persistência é a moeda corrente da relação.

Décadas mais tarde, chegamos ao dia de hoje.

Era natal, estávamos no banheiro, eu lá esculpindo o Ho-Ho-Ho na cabeça de Bitols. Zummmmmmm entre os cabelinhos. Daí, o ruído foi ficando bêbado.

- Carregou o barbeador?

- Sim, ontem, toda a tarde.

- Ué? Acho que a bateria está ficando velha...

- Ah, nem diga! Adoro esse aparelho, um dos melhores presentes que me deu. E foi dos primeiros, né?

- Claro! Você dizia que ia fazer a barba na tua ex-casa quando fosse buscar teu filho, que não tinha barbeador em Porto Alegre, que o teu era 220V, que eu não me preocupasse, que o que é que tinha?, você poderia fazer a barba quando fosse lá, que limparia tudo, qual era o problema?

- Imagina. Nunca disse isso.

- Não se lembra?

- Não.

E ele nem lembrava.






* Obrigada Luizão, pela adorável sugestão de morte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário