EPITÁFIO
Último dia de aquário,
Primeiro dia de peixes.
Entrei no banheiro, a porta aberta. Lá estava Bitols, em pé, de frente ao vaso.
- Opa! Tava aberta.
- Tudo bem, terminando aqui.
A cena natural, tranquila. Intimidade tem seus flagrantes.
Seria passageira não fosse o detalhezinho sobre a louça branca. O disco alvejado, o donut das nádegas, o mal-falado suporte de rabo repousava sobre a base.
Claro que em geral nos queixamos de que o esquecem em guarda, feito descolorido sentinela londrino, e, desavisadas, acabamos com a bunda na friaca, gelando as dobras de carne na fina borda da patente. Especialmente na madrugada.
Não era o caso.
Mais de uma vez já tinha me perguntado o que eu fiz para merecer essa maravilha de companheiro que jamais esquece o sanitário careca?
Justo ele que está sempre tonto de pressa e compromissos, abandona o zíper arreganhado, as cuecas ao vento, correndo como lebre da Alice: como é que lembra de garantir meu pedestal?
Ali estava a resposta: ele mijava com o treco abaixado. Não sentado, mas ortostático, feito Fontana di Trevi, mirando no alvo reduzido. E eu duvidando da capacidade da hidra, chamando técnico para revisar a descarga que vazava, mas só de vez em quando. Não se descobria o defeito.
Elementar, minha cara: aqueles pinguinhos não eram água.
Desci o sarrafo em forma de discurso eloquente para demonstrar a gravidade da situação.
Fui-me berrando de dedo em riste e perguntando se não bastavam as danceterias e seus toiletes públicos, para onde marchamos com saltos e plataformas monumentais.
Imagina que o banheiro feminino é mais organizado e sanitizado que o masculino? Nunca! Porque mal sabem vocês, os cabras, que nossos sapatos não apenas elevam os traseiros à lua contrariando a gravidade, mas também são galochas para atravessar o pântano que respira no Water Closet. Eu te explico, já que está com cara de interessado. O habitat natural nasce graças ao efeito borboleta de nosso hábito urinário.
Funciona assim: a primeira moça entra no quadradinho, desveste as calças justas que mal permitem mover as pernas uma vez deprimidas à altura das coxas; ela não se apóia em nenhum lugar com asco da latrina; inicia a descida com o quadril e pára a 45 graus; numa festa, bêbada, a mulher quase faz xixi de pé; e começa a tremer durante o agachamento prolongado; então ela tenta, em vão, jorrar o líquido áureo com algum controle; a seguir, livra-se do papel higiênico porcamente, pois está louca para sair dali. A segunda senhorita, precisará vencer os obstáculos herdados da primeira; à terceira miss caberá a árdua tarefa de desviar dos destroços da segunda e assim por diante. Às três da manhã, tcharans: eis o atoleiro.
Não chega para você que tenhamos a uretra mais curta, a bexiga mais cheia, a insalubridade dos absorventes descartados, os canos entupidos pelos ob’s arremessados, o excesso de líquido que bebemos para diminuir o apetite, as filas intermináveis, os trocadores com bebês e fraldas feito brejos nos shoppings, nos supermercados e até nas igrejas.
Nãããão. Que sorte a minha contar com você para garantir que a saga se perpetue dentro de casa.
Pois foi assim. Jurou que era a única vez, era inédito. Foi apelar ao filho, pediu confirmação do Vicente que saiu dizendo que ele faz isso só umas cinco a cada dez vezes.
Ok. No Vicente eu acredito. Afogo só metade. 50%. É justo.
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