Arte de Cínthya Verri
"Sou brasileiro, moro na Europa e estou namorando uma dinamarquesa. Nos damos bem, mas tem algo que me incomoda: ela é amiga do ex. Eles se encontram semanalmente, ela tem foto dele no celular, cuida do cachorro dele quando ele sai de férias e já cogitou visitar a família dele na África. Eu disse a ela que isso me incomoda. Estou exagerando no ciúme?
Obrigado,
Paulo Henrique"
Querido Paulo Henrique,
Eu já estava escrevendo que você tinha razão: seu ciúme não era à toa, que os fatos beiravam o deboche. Estava pronto a argumentar que ex é fantasma e não é recomendável conversar com morto.
Estava disposto a dizer para virar a mesa e não aceitar essa safadeza toda. Que isso lembrava filme esquisito de Ingmar Bergman, com traumas, complexos irresolutos e taras clandestinas.
Estava pronto a assinar o óbito da sua relação, mas logo me contive: a convivência entre eles é tão escancarada que não pode ter coisa alguma. Caso alimentassem ainda uma história, esconderiam o jogo, fariam questão de exibir distância e mentir formalidades. Não seriam ostensivos a ponto de apresentar foto no celular, partilhar convites familiares.
Acredito que sua namorada vem sendo sincera. Não existe conspiração, segredos, picuinhas
É natural a atração se esgotar. Já vi inúmeros romances decrescerem em amizade.
Ela e o ex agem como irmãos. O contato é respeitoso e não sugere incesto. Não há nada a despertar inveja. Ambos perceberam o fim da química e decidiram preservar os laços. Sabe aquela separação consensual, em que os dois aceitam, aliviados, que não se amam?
São confidentes, mas com o desejo castrado, de quem tentou e fracassou. É um amor assexuado. Diria mais: ela e o ex agem como irmãs. Pode ficar tranquilo. Devem fofocar de você, de sua desconfiança latina e achar graça.
Eu somente tomaria cuidado para não virar uma boneca. O ex representa o perigoso destino eunuco de outros relacionamentos. Sua namorada tem temperamento forte e uma predisposição a transformar namorado em companheiro de quarto.
Mantenha seu sangue quente, por favor. Seu sangue dramático. É o antídoto contra o tédio.
Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar
Fabrício Carpinejar
Querido Paulo Henrique,
Minha mãe profetizava: jamais pergunte ao namorado sobre aquela amiga por quem se morde de ciúme; nunca toque no nome dela que é para não dar a ideia.
Sempre encontrava graça no enigma. Depois, vi sentido. Eu lhe pergunto: quem fala mais no ex-namorado: você ou ela?
Talvez o moço nem seja tão presente, mas toda vez que aparece qualquer situação onde o fantasma é mencionado, o alarme soa fundo. Você é um campo de lasers no chão: impossível pisar sem disparar o terror.
Para amar em paz, a habilidade mais importante não é lembrar, mas esquecer. Quem não digere os fatos, morre de excesso.
Ganhou um rival, oras. Que experiência interessante! Assustadora, claro, porque ele é o pioneiro – já experimentou as coisas antes. É a fantasia de ser o segundo, de ter chegado tarde. É escalar o Kilimanjaro, chegar lá e encontrar uma bandeira puída.
A verdade dói, mas salva: nenhuma mulher será só sua.
Engula o suor e sorria. Sua insegurança está virando o mundo do avesso. Nem a namorada sabia que o ex tinha sido tão importante. Seis anos passados e ela não pensava mais nele desse jeito. Mas, aí, você chega e fica apontando as afinidades, as cumplicidades.
Eis o que faremos: uma equação de Pascal. Se a questão é acreditar ou não se há algo não resolvido entre os dois, aceitaremos o duelo. Não fale mais em seu inimigo de modo ameaçador (que o temido seja você!), fique próximo dele como um irmão.
Mais: quem está no mandato conta com grandes chances de reeleição, tem o governo a seu favor.
Garanta sua namorada de novo todos os dias. Vocês dois só tem a ganhar.
Beijos meus,
Cinthya Verri
Cinthya Verri
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 10/06/2012 Edição N° 17096
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com
Porto Alegre (RS), 10/06/2012 Edição N° 17096
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