Arte de Cínthya Verri
"Tenho 27 anos, o Ivan, 30. Temos pontos de vista divergentes sobre a vida. Sou racional, ele espiritualizado. Minha mãe não aprova o namoro. Vocês acham que um relacionamento com problemas familiares pode dar certo? Obrigada.
Um abraço, Luciana”
Querida Luciana!
Oposição de pais fortalece o namoro (já de filhos de outros casamentos enfraquece). Esta é a lei.
Deve aproveitar a vantagem. Se sua mãe o admirasse, teria a sensação de não ser sua escolha. Agora tem certeza: não foi influenciada, pressionada, chantageada a se envolver. Ivan é resultado unicamente de seu gosto, por mais que seja diferente.
A adoração do genro apenas atrapalha os casais, cria dependência, embaralha papeis de namorado e de irmão, não faz bem à fantasia. Quando a mãe e o pai conversam com seu namorado com a naturalidade de um filho, o romance naufraga – transmite sensação de incesto. Só falta ele receber mesada.
A resistência maternal ajuda o amor. Quando ela reclama, é obrigada a defendê-lo e assim encontrar pontos positivos. A mãe estimula sua memória amorosa, incita a reavivar cenas prediletas e legendar momentos especiais.
Imagina se ela elogiasse o rapaz: você não suportaria o ciúme e falaria mal dele. Nem mais estariam juntos.
Divergências, são sadias. Tenho receio de quem vive concordando, prova de que não escuta até o fim.
Não confie nas aparências. Paz pode ser ausência de vontade, harmonia pode ser surdez. Quem discute confia que o par merece conhecer suas ideias, partilha do desejo de se apresentar e ser compreendido.
Você e Ivan não têm preguiça de se expressar, entrar em detalhes e varar a madrugada em tribunas acaloradas. É uma virtude, não um defeito. Contrariar gera trabalho, suscita paciência e delicadeza. É magoar e logo fazer as pazes, é combater e logo pedir desculpa. Considero o debate a maior prova de admiração.
Ser apaixonado por si é a receita para amar o outro. É constrangedor não dizer o que se acredita por preguiça ou cansaço. Omissão nunca será silêncio.
Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar
Fabrício Carpinejar
Querida Luciana,
Posso responder sua pergunta com um argumento direto no queixo: é insuportável sermos tão diferentes uns dos outros. É o verso de um poema de meu amigo Paulo Sérgio Rosa Guedes. Seria óbvio caso pudéssemos enxergar a multiplicidade tanto quanto ela acontece – ou seja, o tempo todo.
O mais bonito é a diferenciação, a capacidade de nos personalizarmos. Como é atraente quem sabe desenvolver a própria personalidade! Ao mesmo tempo, é o mais difícil na hora de viver junto. Pouco sabemos conviver sem comparar. Queremos medir, decidir quem é melhor, superior.
Sábio Shakespeare quando escreveu seu Romeu e Julieta. Todo relacionamento amoroso acontece, no fundo, entre um Capuleto e um Montequio. Nossa família com certeza é melhor que a do outro. Você diz que as diferenças estão na criação dos dois, que sua mãe não concorda com o modo como ele se expressa e você... Bem, você faz de conta que não discorda, mas insinua que ele poderia falar seus pontos de vista de um jeito assim, mais delicado, mais sutil, mais parecido com o que pensa ser adequado.
O amor acontece só depois que o sobrenome deixa de ter importância. Ademais, ninguém está aqui para atender às suas expectativas.
Agora, a boa notícia: você não está aqui para atender às expectativas de ninguém. Veja que troca justa. Cada um faz aquilo de que necessita e se responsabiliza por isso.
Viver a dois pode ser maravilhoso, mas a condição central é a de aceitar o outro como ele é. Parece clichê. Mas é tarefa árdua que merece toda nossa atenção. É não exigir nenhum milímetro mais para cá ou mais para lá. O respeito não aceita meio-termo.
Beijos meus,
Cinthya Verri
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 23/06/2012 Edição N° 17110
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com
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