Quando tinha sete anos, me imaginava bancária aos 30.
Fazia da escada de metal um guichê. Gastava horas computando valores inventados. Registrava números numa fantástica calculadora com bobina de papel. A matemática era um teclado com sons eletrônicos. Brincava de DJ dos números. Prestativa, atendia os ursinhos carinhosos, o pequeno Poney e a Barbie. Solucionava o problema da hipoteca da Moranguinho. Fui condecorada “funcionária do mês” e minha foto parava na entrada do quarto.
A segunda opção seria virar estilista. Andava com almofada no bolso cheio de alfinetes e agulhas, controlava as barras das pessoas. Fingia ouvir os tecidos dos retalhos que minha mãe colecionava e desenhava croquis divinos em minutos. Tinha até assistente: uma boneca Xuxa quase da minha altura. Ela era péssima e por isso brigávamos tanto.
Aos 30, já teria filhos. Estaria casada com um Antônio. Qualquer Antônio. O importante é que fosse Toni, apelido que eu julgava sensacional.
Aos 30, varreria a sujeira com capricho, prepararia as crianças para a escola.
Aos 30, eu me tornaria uma mulher praticamente velha. Meus pais cumpririam papel de avós dedicados, numa casa azul de dois andares, em que passaríamos o domingo comendo churrasco entre irmãos, primos e seus netos.
Cheguei aos 30 anos. Tenho cara de não mais que vinte e poucos. Não casei, não tenho filhos. O único nenê que temos em casa está com três anos e é minha irmã. Meu pai não é avô, mas pai de novo.
Sou médica, empresária e comunicadora. E muitas outras coisas que não têm título.
Diante da vertigem e do abismo entre o que esperava aos sete e o que de fato aconteceu, percebo que a frustração é superestimada. Complicado é definir como as coisas deveriam ser e, ao mesmo tempo, nos acharmos capazes dessas suposições.
O fato é que sabemos muito pouco do que nos faz feliz de verdade. Descobrimos apenas depois que acontece. Somos lentos.
Por mais absurdo o raciocínio, fazemos isso o tempo inteiro: prevemos como deveria ser o casamento, como os filhos deveriam se comportar, como nosso corpo deveria estar. Embora essa seja justamente a gênese da frustração, parece que vocação é linha reta. Não mudar de ideia. Confundimos sonho com obsessão. Felicidade consistiria em seguir sempre com algo que desejávamos lá atrás e não alterar o caminho sob hipótese nenhuma para mostrar coerência. Coerência é aceitar a transformação, não se fixar em credos.
Não há motivo para lamentar. Não posso apagar a infância. Fui realmente bancária e estilista aos sete anos. Para quê outra vida se posso toda hora mudar a minha?
Fazia da escada de metal um guichê. Gastava horas computando valores inventados. Registrava números numa fantástica calculadora com bobina de papel. A matemática era um teclado com sons eletrônicos. Brincava de DJ dos números. Prestativa, atendia os ursinhos carinhosos, o pequeno Poney e a Barbie. Solucionava o problema da hipoteca da Moranguinho. Fui condecorada “funcionária do mês” e minha foto parava na entrada do quarto.
A segunda opção seria virar estilista. Andava com almofada no bolso cheio de alfinetes e agulhas, controlava as barras das pessoas. Fingia ouvir os tecidos dos retalhos que minha mãe colecionava e desenhava croquis divinos em minutos. Tinha até assistente: uma boneca Xuxa quase da minha altura. Ela era péssima e por isso brigávamos tanto.
Aos 30, já teria filhos. Estaria casada com um Antônio. Qualquer Antônio. O importante é que fosse Toni, apelido que eu julgava sensacional.
Aos 30, varreria a sujeira com capricho, prepararia as crianças para a escola.
Aos 30, eu me tornaria uma mulher praticamente velha. Meus pais cumpririam papel de avós dedicados, numa casa azul de dois andares, em que passaríamos o domingo comendo churrasco entre irmãos, primos e seus netos.
Cheguei aos 30 anos. Tenho cara de não mais que vinte e poucos. Não casei, não tenho filhos. O único nenê que temos em casa está com três anos e é minha irmã. Meu pai não é avô, mas pai de novo.
Sou médica, empresária e comunicadora. E muitas outras coisas que não têm título.
Diante da vertigem e do abismo entre o que esperava aos sete e o que de fato aconteceu, percebo que a frustração é superestimada. Complicado é definir como as coisas deveriam ser e, ao mesmo tempo, nos acharmos capazes dessas suposições.
O fato é que sabemos muito pouco do que nos faz feliz de verdade. Descobrimos apenas depois que acontece. Somos lentos.
Por mais absurdo o raciocínio, fazemos isso o tempo inteiro: prevemos como deveria ser o casamento, como os filhos deveriam se comportar, como nosso corpo deveria estar. Embora essa seja justamente a gênese da frustração, parece que vocação é linha reta. Não mudar de ideia. Confundimos sonho com obsessão. Felicidade consistiria em seguir sempre com algo que desejávamos lá atrás e não alterar o caminho sob hipótese nenhuma para mostrar coerência. Coerência é aceitar a transformação, não se fixar em credos.
Não há motivo para lamentar. Não posso apagar a infância. Fui realmente bancária e estilista aos sete anos. Para quê outra vida se posso toda hora mudar a minha?
Crônica Falada na Rádio Ipanema FM
31.08.2010
Programa Talk Radio
com @katiasuman
31.08.2010
Programa Talk Radio
com @katiasuman
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEngraçado Cinthya...
ResponderExcluirO bom é que você já foi muita coisa durante seus 30 anos de vida e o fato de nao ser hoje o que vc se imaginou na infância não significa frustração alguma!!!
Abraçoss!!!
É verdade. Por que se frustar se podemos nos reinventar o tempo todo. Lindo mesmo é essa possibilidade de poder ser muitas, e pelo pouco que vejo de vc, és competente nessas muitas que vc se tornou.
ResponderExcluirParabéns pelos 30! E que vc nunca deixe de sonhar em ser outras tantas!
Feliz dia!
ótimo.
ResponderExcluiras vezes nos esquecemos que podemos mudar a nossa vida.
e aí, as pessoas que se esquecem disso por muito tempo, ficam chatas, se acham vítimas.
por isso acho sempre bom lembrar.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue lindo, me identifiquei demais.... já quis ser estilista, atriz, nadadora e escritora quando criança, fui crescendo e quis fazer publicidade, hotelaria e jornalismo. No colegial fiz técnico em Gestão Empresarial porque queria ser uma empresária que usa tailleur e assina papéis o tempo todo com aquela cara de séria porém sensual... no vestibular prestei direito, queria ser juíza da vara de família... no fim, depois dos 18 comecei a trabalhar e fiz meus primeiros piercings e tatuagens e percebi que são coisas que não sei mais viver sem... Agora sou body piercer e é o que eu me vejo fazendo até velhinha... mas é claro que até lá ainda dá tempo de ser cantora, dançarina...
ResponderExcluirCinthya....amo tuas crônicas!!!!gabi - caxias do sul/RS
ResponderExcluirCínthya,
ResponderExcluirSempre tão bom saber que pessoas pensam como você. E quem nem só eu fiz 30 anos este ano. beijos.
Adoro teu jeito ousado e realista de escrever Cinthya, eu tb não sou o que sonhava ser qdo pequena, algumas frustrações no decorrer da caminhada, mas nada que hoje eu possa me arrepender.
ResponderExcluirBjos, sucesso sempre para vc.
Nossa, és excelente! Amo ler o que escreves. Minhas visitas à BoucheVille são sempre profícuas e renovadoras!! Abraço!
ResponderExcluir"Para quê outra vida se posso toda hora mudar a minha?"
ResponderExcluirSerá, menina? Isso é tanto a minha essência, mas anda me faltando coragem... Ir chegando aos trinta também tem isso de enxergar que a estrada não é infinita como parecia aos sete e que os recomeços têm consequências, às vezes, muito mais graves... ando com uma meda!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirser adulto é mto diferente do q eu imaginava quando era criança. na época eu achava q todo mundo com 25anos tinha a vida toda feita (e eu também teria)... casamento, filhos, profissão, tdo já estabelecido e organizado... tudo no lugar... como se as coisas fossem assim simples... e um dia a gente ficasse estático, não mudasse mais tanto... inocência.
ResponderExcluirps. gosto mto do q vc escreve. li o matando carpinejar todo... é mto bom. =)
ResponderExcluir