Mexer nas coisas dos outros é feio. Assim como sei que mexer nas coisas dos outros para encontrar algo mais feio não é mais feio. Mas contar que se mexeu nas coisas dos outros sem ter encontrado nada, volta a ser feio.
Ou entramos no acordo do que é feio exatamente, sem exceções, sem personalismo, sem a conversa fiada de cada caso é um caso, ou voltamos ao início, que é simplesmente mexer nas coisas dos outros é feio. E que se torne regra geral e inviolável.
É um colapso quando a namorada vasculha o celular do namorado, por exemplo. Encontrará mensagens comprometedoras, com certeza. Até porque, caso não haja nenhuma, ela inventará que o “te ligo depois” assinado “Marcão” é um código para irem aprontar alguma. Afinal, como já disse, a espionagem depende de um crime para ser justificada.
Se a esposa recebe o envelope com a conta discriminada do cartão de crédito do marido e resolve abrir o lacre, ela rompe o sigilo bancário matrimonial. Lá constarão siglas seguidas de valores dos quais que ela vai exigir explicações. E o que ele disser, já não importa: ela não vai acreditar.
Toda ruptura de confiança e desrespeito à privacidade entre adultos é desgraçada, mas não é o pior delito. O abominável, o terrível, o imperdoável é a invasão no mundo das crianças e dos adolescentes.
Seja porque consideram sua propriedade, seja porque julgam saber o que é melhor para eles, pais deturpam a relação e abusam do poder: mexem nas coisas de seus filhos.
Abrem bolsas de jovens, gavetas dos banheiros, fuxicam em necessaires feito patrulha antidrogas; vasculham caderninhos, blocos de anotações, perscrutam queridos diários.
Antigamente, algumas mães mais obcecadas arranjavam de ouvir conversas na extensão do telefone. A evolução disso para o mundo digital são as neuróticas de vanguarda: hackers dos programas de comunicação instantânea via internet. Mal sabem redigir email, mas esperam sorrateiras a chance de invadir o MSN e o Skype de seus filhos e averiguar como andam os diálogos.
Abrir a correspondência, mesmo que a dos vizinhos, é crime federal. Como classificar os adultos xeretas que agem em nome de um “bem maior”, de proteção, de detectar um pedófilo, um traficante, um contrabandista, um pirata ou um falsário qualquer?
Afinal, tem consequência querer chefiar e liderar a vida de alguém de forma tirânica. É lamentável que isso seja tratado com tanta banalidade.
A censura aberta pode ser mais polêmica, mas sem dúvida, bem mais justa. É feio mexer nas coisas dos outros. Mais feio é considerar que as coisas dos outros são suas: aí, já é roubo.
O difícil, putz, é resistir à tentação...
ResponderExcluirCínthya, quem sou eu pra discordar de você? Com certeza não tenho gabarito nenhum pra isso. Apenas gostaria de expor uma opinião sincera. Atualmente as coisas estão de um jeito... Eu, como mãe de uma adolescente, me sinto às vezes extremamente preocupada com as coisas todas que se apresentam nestes "tempos modernos". Pelas coisas que acontecem, pelas tragédias e dramas, por filhos de amigos e conhecidos que se envolvem em drogas pesadas, por tanta coisa. Você sabe, não preciso dizer. Então, não é que vasculhamos as coisas de nossos filhos, muito pelo contrário, no meu caso, sempre achei que cada ser humano tem que construir sua própria personalidade, tem que passar por suas dores, angústias, tristezas e medos, para poder crescer e se tornar um adulto maduro e consciente. Minha filha será muito diferente do que eu sou, por mais que eu tenha lhe passado conceitos e mais conceitos, formações, lições, etc. Ela será do jeito que ela tem que ser. Aliás ela é. Mas, nos dias de hoje, faz-se necessário um acompanhamento presente, próximo, contínuo. Às vezes isso signifique, talvez, que, se você estiver em uma situação em que esteja percebendo algo errado, pense em uma intervenção desta forma. Não sei, estou apenas me manifestando com uma opinião, mas você às vezes se vê em uma situação em que não consegue enxergar outra forma de agir que não esta de perquirir, auscultar. Observar... Tentar conhecer mais e melhor. Sem querer invadir, bisbilhotar, não é nada disso. Mesmo porque, a privacidade, na minha opinião, é um dos alicerces das relações entre os seres humanos, em qualquer âmbito.
ResponderExcluirUm beijo, não sei se me fiz entender. Mas adoro seu blog, aliás, seus blogs.
Carla
Jaci,
ResponderExcluirsim. Terrível. Mas Pingos nos "Is", né?
beijooo
Carla,
ResponderExcluirvocê é a Carla e pode discordar de mim, é claro que sim.
Apenas, eu vejo assim: que ou a gente confia, ou não confia. É complicado, mas precisamos suportar não saber e confiar. E tua filha está perdendo de ser tua amiga, paciência. Auscultar é bonito, mas o outro precisa respirar fundo pra gente ouvir. Senão, inocentes chiados passarão por estertores...
Beijão
Desculpe, mas, somente no dia que você tiver filhos, você terá legitimidade para opinar sobre tais assuntos. Não defendo a invasão de privacidade, mas deixar de tomar certas precauções, sabendo como está o mundo de hoje é se omitir. Mas, repito, no dia que você tiver filhos vai entender. Hoje você não tem o alcance necessário para entender determinadas questões.
ResponderExcluirQuanto a essa discução toda:
ResponderExcluirSó há uma justificativa real para quebrar esse sigilo:
Não há confiança. Ponto final.
Não adianta colocar a culpa nos pedófilos, na juventude descontrolada, drogas, promiscuidade na internet, atualidade, a falta de deus no coração, como diria o Datena... seja o que for.
O probelama disso tudo não é externo, mas sim interno. É na educação, na relação. Educar não é simplesmente instruir. O relacionamento não termina no café da manhã.
A amizade entre pais e filhos não se resume a dizer bom-dia-como-foi-na-escola?!
Se algum pai não confia em seu próprio filho, precisa saber que a falha é própria dele (mesmo que não exclusiva, claro).
Quanto ao texto, adorei. ponto final. HUieuiheiuhuiee XD
parabéns
Muito bom o texto. Parabéns!
ResponderExcluirDa primeira vez que li teu texto pensei - por que ela não fez dois separados, um para privacidade no relacionamento e outro para a privacidade dos adolescentes? São assuntos bem diferentes...
ResponderExcluirMas então li os comentários e me dei conta de que não, não são... se lembrarmos algumas coisas:
Os filhos "deixam de ser filhos" e muito mais cedo do que a gente gostaria. Bem no meio da confusão da adolescência se dá o golpe fatal do modelo protetor/indefeso da relação para que depois de algum período de latência e afastamento possa se consolidar um modelo mais durador de igual para igual, de amigos, parceiros e cúmplices - se possível.
E foi esse "se possível" que juntou na minha cabeça o texto do amante com o texto do filho adolescente.
Queremos também do amante que seja possível e mais do que isso, constante o papel de amigo, parceiro e cúmplice.
E quando sentimos que isso não está bem como gostaríamos, não nos sentimos queridas pelo amante ou pelo filho o suficiente, vem o pensamento - Ele está fazendo alguma coisa errada, está em má companhia (ou seja outra que não a nossa) e o impulso de xeretar se apresenta.
Então o elo que liga os dois mundos é este. Se não nos sentimos confortável com a quantidade de atenção, dedicação e tempo que recebemos surge a tentação invadir o mundo alheio para conseguir um pouco mais. Ter a sensação de maior superfície de contato. Na esperança de encontrar algum ticket de reafirmação, ou um vale tempo de interação - mesmo que esta interação seja uma briga.
O que faz da relação com o adolescente particularmente delicada é a inconstância, pensei. O adolescente de afasta e se rebela da mesma forma que quando criança aventurou-se a caminhar - alguns passos afastado, recusa a mão, mas eventualmente olha para trás para ver se a mãe/cuidadora está ali. Até que finalmente sem um momento bem nítido passa a andar sozinho com segurança.
Mas o amante também é inconstante, assim como nós. Agora quer proximidade, logo mais quer liberdade. Em um momento se é o casal perfeito para minutos depois flertar com outra...
A única saída para não enlouquecer é amar. Amar cada momento e cada escolha. E mesmo assim talvez não seja possível, talvez não dê certo, talvez o filho se torne um adulto que não queira conviver com você, talvez o amante prefira a companhia da outra.
ResponderExcluirO apavorador e verdadeiro é dar espaço. Fazer o melhor, dar o máximo DE SI, falar, agir e tratar com todo o amor que se tem e deixar que o que está morto caia.
Quando não estamos carregando pedaços mortos do parceiro não sentimos vontade de vasculhar nada.
Quando não estamos agarradas na criança de 7 anos que aquele adolescente não é mais vemos com mais clareza quem ele está sendo a cada momento.
Quanto a protegê-lo? Não dá Carla... drogas, violência, tragédias. Faça o que fizer ele ainda vai estar sujeito e exposto a tudo isso... tudo. Gastar tempo e energia com este objetivo é perder oportunidades.