Meu tio Carlinhos viveu sobre eixos, rodas e motores. Por baixo de sua boléia, todo o país passou. E mais de uma vez. Dono de transportadoras, de frotas de caminhões, comandante de grupos de empregados, era incansável. Nunca parou de empreender. Investiu no sul, no centro-oeste e no norte. Desde a adolescência, chefiava postos de gasolina. Perguntei um dia que combustível era aquele:
- Se você não é bonito aos vinte; se não é forte aos trinta; se não é inteligente aos quarenta; se não é rico aos cinquenta: não vai ser nessa vida.
Adotei imediatamente o lema de pára-choque. Serviu como luva de látex – fiquei preparada para o serviço sujo. Jamais me encolhi para o trabalho.
Alguns podem torcer o nariz para meu tio frasista e me chamar nostálgica do trabalho que enobrece o homem. Mas o contrário é muito pior: a complacência absoluta. Hoje, ninguém quer criticar o ócio, a abstenção é total na hora de pressionar os filhos. Surrupiaram a figura do fracassado da cartilha. Ele era fundamental, mais importante que o velho do saco. Ter medo de ser tachado vagabundo, improdutivo, sanguessuga; não querer ser a vergonha da família pode fazer toda a diferença.
Adulto era aquele que saía de casa, havia a ansiedade pelo mérito da independência. Todos queriam conquistar o endereço próprio o quanto antes. As restrições do lar impediam a felicidade: não era permitido namorar, fumar, festas com amigos. Os desejos era propulsores ferozes. Diante da linha dura parental, um apezinho no centro de aluguel rachado com amigos era um milagre. A graça do oásis era o deserto.
Custear a própria universidade era o mínimo necessário caso não lograsse uma vaga na federal. Alguém que nega um gorda mesada ao filho enquanto cumpre a graduação é considerado um sovina que não promove a melhor condição para o iniciante.
A dificuldade dos pais é tão grande que são obrigados a custear um intercâmbio para que o filho aprenda a lavar a louça e a recolher sua roupa do chão – desde que seja em outro continente, fica bem a privação de mimos. Quem não foi mochileiro, não reconhece o prazer de um guarda-roupa.
Não é que a crise existencial esteja vetada, que alguém deva cumprir profecias desde a infância ou atender a algum chamado vocacional, receber a dádiva do destino. Nada disso. Trocar de carrreira é bem-vindo, guinadas no caminho são decisivas na ascensão. Mas isso não deve ser confundido com anedonia, com preguiça, com abulia ou com desesperança.
Os jovens estão indecisos como sempre, isso não é novidade; inaugural é o processo de resolver a vida profissional às custas dos pais, desfrutando dos bens familiares e considerando a atitude uma esperteza. Há uma certa arrogância em relação aos que se sustentam com salários mais econômicos e lutam determinados atrás de ideiais.
É demodê quem sonha com o sucesso? Quem deseja alcançar patamares mais altos, reconhecimento social, orgulhar os pais? Em alta quem faz de menos, em baixa quem faz demais?
Meu tio Carlinhos, caso quisesse facilidades, teria escrito auto-ajuda.
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM.
Apresentação @katiasuman
Crônica de @cinthyaverri exibida em 25/08/10
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