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domingo, 31 de outubro de 2010

Mão Santa

EPITÁFIO
 Nunca tomou ácido para viajar,
mas foi bem mais longe.




Tenho amigas que reclamam de seus namorados. Afirmam que são toscos, descuidados, não entendem nada de mulher. Resumindo: uns machões sem tato.

Algumas contam com esmiuçados detalhes os momentos de distração de seus adoráveis patetas. Declaram-se autênticas malamadas, para dizer o mínimo.

Entre os crimes estão: esquecer as datas especiais; não enxergar um corte de cabelo; não presentear; não surpreender; não valorizar um sapato, um vestido novo ou uma produção inteira que passa como pantomima na frente de um cego. É isso: cegos! Surdos! Burros! Essas coisas. Minhas amigas têm suas razões. Imagino a frustração delas e vou já espelhando os olhos.

Eu empatizo com a causa, afinal, tenho pai e irmãos. Mas jamais poderia acusar meu Bitols de qualquer semelhança com esses boçais, com esses brutamontes. Bitols sabe antes de mim se meu esmalte está opaco. Repara cada madeixa em meus cabelos. Domingo retrasado, por exemplo, sacou que eu tinha trocado de xampu pelo reflexo do sol nos fios. É mole? No duro. Bitols conhece como eu escolho a roupa de manhã, descreve com exatidão meus hábitos mais bizarros, como o de empilhar as calças jeans fora da prateleira depois de escolher ou como eu costumo esquecer as portas abertas do armário da cozinha. Percebe se eu emagreci, se fiz peeling, se fiz musculação. Memoriza cada centímetro. Às vezes, é assustador.

Como se não bastasse o status de condição enciclopédica, Bitols também aparece de surpresa, escreve bilhetinhos, presenteia e mima. Ele sempre me leva para jantar, jamais nega gorjeta, é gentil com todos. Valoriza meus amigos e amigas. Quer mais? Aprendeu a gostar da minha cachorra. Até estampou foto da bichinha na contracapa de um livro.

Qual é o meu problema?, você se pergunta. Ela só pode ser louca!, você se espanta:

- Onde se viu colecionar desenhos macabros desta maravilha, desta excentricidade da natureza chamada Bitols?

Eu conto. Você já vai entender.

Certa noite, deitados na cama, naquele blá-blá-blá com chamego, o famoso cuddling da véspera do sono, eu digo a ele o seguinte:

- Bitols, você é um gênio de verdade - num elogio referente a sua literatura.

O fulano me sai com esta:

- Não sou gênio. Eu só tenho um dom com as mulheres.

Sentiu o plural? Pois é. O próprio patife se orgulha porque leva jeito com o sexo oposto. Oposto, aliás, resulta em um termo mal empregado. Neste caso, o mais apropriado seria aliado. Sim, porque Bitols tem sexo aliado, mais que isso: sexo alinhavado com as fêmeas de sua espécie.

E, como não bastasse a autopromoção do dengoso, vem a Revista VIP, renomada publicação machesca dos infernos e, pasme, na mesma semana, intitula o self-se-acha poeta de Sabedor das Mulheres como a Palma da Própria Mão. Oras!

Da notinha essa, sabe como eu fiquei sabendo? Pela caixa de entrada do correio eletrônico, via emailzinho encaminhado pelo próprio Don Juan de Marca Diabo. Eu queria mesmo era capar o safado do jornalista que me aprontou essa “homenagem”.

Tudo bem. Até aí, tudo ainda estava bem.

Mas chegou uma nova mensagem dele: a previsível tentativa de aliviar o sadismo - estratégia aplicada repetidamente pelo moço. Sadismo sim, porque ele sabia muito bem o que fazia quando fofocou sobre a referida coluna da Revista VIP (as in Very Important Putaquelospariu). No corpo do email, vinha todo felizinho num olha-que-linda-você-estava-naquela-roupa! No anexo, as fotos de um lançamento em que participamos.

Aí, sim. Aí, sim, a gente vê que ele é um poeta de mão cheia. Mão cheia na coxa da colega de mesa.

E minha amigas amaldiçoando seus mãos-bobas:

- Fala sério.

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