Postos de lado, confiamos que somos o responsável pelo desprezo. Causamos o desinteresse e recebemos o castigo.
Noventa por cento das vezes estamos errados.
Eu insistia em pensar em como era pouco atraente. Como quase todo mundo.
Quando o namorado preferia assistir futebol, fazia questão de competir com o lazer. Deduzia que ele, em algum lance, iria me preferir. Torcia para que deixasse de torcer. Eu seria melhor do que seu time de coração. Aproveitava amistosos para atacar e inventava jantares-surpresa, comprava lingerie, sob alegação de que não era Libertadores ou Campeonato Brasileiro.
Nem me olhava. Eu me sentia renegada, estabelecia escolhas a todo momento, provas de que se me amava ou não. Armava ciladas.
Jurava, de pés juntos e mãos atadas, que ele não me queria. Não entendia que somente desejava desfrutar das tabelas do seu clube.
A rejeição é inventada. Isso é que eu estou dizendo. O rejeitador não está optando, só a gente.
Quando não somos eleitos em uma entrevista de emprego, revisamos o diálogo atrás do instante exato em que cometemos o erro fatal.
Quando alguém deixa de amar, o ofendido sofre na edição das imagens da relação, incansável na procura da atitude que devia ter sido mudada.
Somos o centro das atenções da mãe quando nascemos e aos poucos o cuidado muda para se tornar companhia. É um processo árduo aceitar que a mãe também goste do trabalho e ame outras pessoas como um irmão ou até mesmo o pai. Queremos saber como voltar a ser o magneto do olhar dela. Podemos nos sentir fracassados diante da evolução natural das coisas.
Tive o estalo quando um amigo que julgava magoado com algo que eu falei, e que não me procurava há tempos, encontrou-me na rua e correu para um abraço. Descreveu como sua carreira estava atribulada com o mestrado, que tinha viajado, que estava namorando, enfim: vivendo intensamente. Contei que me sentia culpada pelo seu afastamento, desde aquele dia em que falei aquilo. O amigo riu muito - nem lembrava!
Uma a cada dez vezes somos o motivo da rejeição. Nos nove momentos restantes, outras coisas foram mais interessantes que nós. Não é pessoal, sequer entramos na escolha. Houve na verdade, uma alteração de foco.
Sabemos disso, basta pensar em si mesmo e em como nossa atenção flutua entre os desejos. Mas preferimos sofrer e nos agarrar ao equívoco. Para um naufrágo, um pedaço de tábua ainda é o barco.
Isso se dá porque queremos ser a espinha dorsal da repulsa, optamos por acreditar que causamos o abandono, o desleixo, o desgaste. Claro que sabemos que isso é impossível, mas estamos falando sobre impulsos, uma espécie de mania secreta, uma esperança pequena e escondida de voltarmos ao spotlight contínuo, onde todas as atenções estarão vibrando conosco.
Não há nenhum problema que pensemos assim, apenas sofremos muito com a aritmética do impossível.A conta nunca termina.
O segredo é invertermos a lógica: a cada rejeição, penso que não sou o pivô. Erro menos. E melhor: deixa de ser problema meu, mesmo que o problema exista.
Confira a Crônica Falada que foi ao ar no Programa Camarote, 17.03.2010
Noventa por cento das vezes estamos errados.
Eu insistia em pensar em como era pouco atraente. Como quase todo mundo.
Quando o namorado preferia assistir futebol, fazia questão de competir com o lazer. Deduzia que ele, em algum lance, iria me preferir. Torcia para que deixasse de torcer. Eu seria melhor do que seu time de coração. Aproveitava amistosos para atacar e inventava jantares-surpresa, comprava lingerie, sob alegação de que não era Libertadores ou Campeonato Brasileiro.
Nem me olhava. Eu me sentia renegada, estabelecia escolhas a todo momento, provas de que se me amava ou não. Armava ciladas.
Jurava, de pés juntos e mãos atadas, que ele não me queria. Não entendia que somente desejava desfrutar das tabelas do seu clube.
A rejeição é inventada. Isso é que eu estou dizendo. O rejeitador não está optando, só a gente.
Quando não somos eleitos em uma entrevista de emprego, revisamos o diálogo atrás do instante exato em que cometemos o erro fatal.
Quando alguém deixa de amar, o ofendido sofre na edição das imagens da relação, incansável na procura da atitude que devia ter sido mudada.
Somos o centro das atenções da mãe quando nascemos e aos poucos o cuidado muda para se tornar companhia. É um processo árduo aceitar que a mãe também goste do trabalho e ame outras pessoas como um irmão ou até mesmo o pai. Queremos saber como voltar a ser o magneto do olhar dela. Podemos nos sentir fracassados diante da evolução natural das coisas.
Tive o estalo quando um amigo que julgava magoado com algo que eu falei, e que não me procurava há tempos, encontrou-me na rua e correu para um abraço. Descreveu como sua carreira estava atribulada com o mestrado, que tinha viajado, que estava namorando, enfim: vivendo intensamente. Contei que me sentia culpada pelo seu afastamento, desde aquele dia em que falei aquilo. O amigo riu muito - nem lembrava!
Uma a cada dez vezes somos o motivo da rejeição. Nos nove momentos restantes, outras coisas foram mais interessantes que nós. Não é pessoal, sequer entramos na escolha. Houve na verdade, uma alteração de foco.
Sabemos disso, basta pensar em si mesmo e em como nossa atenção flutua entre os desejos. Mas preferimos sofrer e nos agarrar ao equívoco. Para um naufrágo, um pedaço de tábua ainda é o barco.
Isso se dá porque queremos ser a espinha dorsal da repulsa, optamos por acreditar que causamos o abandono, o desleixo, o desgaste. Claro que sabemos que isso é impossível, mas estamos falando sobre impulsos, uma espécie de mania secreta, uma esperança pequena e escondida de voltarmos ao spotlight contínuo, onde todas as atenções estarão vibrando conosco.
Não há nenhum problema que pensemos assim, apenas sofremos muito com a aritmética do impossível.A conta nunca termina.
O segredo é invertermos a lógica: a cada rejeição, penso que não sou o pivô. Erro menos. E melhor: deixa de ser problema meu, mesmo que o problema exista.
Confira a Crônica Falada que foi ao ar no Programa Camarote, 17.03.2010
[Henry Selick's Coraline trailler]
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