Martin O'neil's at his own http://www.cutitout.co.uk/
Meu pai operou uma hérnia sábado. Essa frase tem graça porque ele é cirurgião com mais de vinte anos de experiência. Dessa vez, o operado era ele. Durante o almoço fui percebendo meu estado de nervos. Digo percebendo porque, até perder a carteira, eu me julgava muito calma. Não me sentia ansiosa, ao contrário, só enxergava um “vai dar tudo certo” em neon.
Depois de vasculhar a bolsa atrás do dinheiro é que passei mal. Não achava, procurava, não estava, relembrava, percorria os últimos eventos, ai, que angústia, mas como fui perder o diabo! Que inferno mesmo, agora parece que vai dar tudo errado!
E assim fui crispando a pele do rosto enquanto brotavam manchas avermelhadas no pescoço.
Achei a carteira, mas perdi o celular. Um par de horas tinha passado quando despertei da hipnose. Fui procurar o infame tocador e nada. Estranharia o silêncio em condições normais, mas naquele sábado, não pude sequer desconfiar. Desconfiei que dormitasse no carro, e de fato alcancei o dito sob o banco. Naquela altura, o namorado já aportava na frente de casa, com justificado terror. Tentei explicar a desatenção, mas o pobre estava em alas, principalmente porque foi assaltado há uma semana. Calcule a balbúrdia.
Para mim, de fato, estava sendo tudo um pesadelo: não é que não confiasse nos médicos, são amigos queridos e perfeitamente capazes; não é que me assustasse da anestesia geral, seria instalada por outro companheiro sensível e competente; não é que suspeitasse da enfermagem ou do hospital: temia o DR positivo.
Na medicina temos esta piada macabra, é uma espécie de maldição. Costumamos alegar que tem DR positivo qualquer familiar de médico ou o próprio. Consiste em um tipo de soropositividade do azar, marcador da chance aumentada de algo sair errado. É batata: inflama, infecciona, não será como o esperado, isso é certo. Apenas aguardamos pela bruxaria da vez, o incidente do momento.
Suava conjeturando que meu pai era um DR três cruzes, ou seja, positivo três vezes na roleta russa sendo ele médico com dois filhos na carreira.
Duas, três, quatro da tarde e nada da balconista anunciar pelos familiares.
- Ô, pânico.
Quando terminou o procedimento, Ricardo, o cirurgião, chamou-nos à sala de apoio e informou que demoraram mais que o previsto porque perceberam que se tratavam de duas herniações ao invés de apenas uma. Na sequência, bufou o desabafo:
- Operar pai de amigos é terrível!
Não queria estar nos propés dele.
Naturalmente, algum enrosco ia dar. Respirei aliviada. Se tivesse um juiz na família, aí sim, meu pai estaria liquidado.
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