Minha mãe me chamava de cantinho, bem séria, pensava que tinha aprontado algo. Mas era mais uma de suas advertências. Não, minha mãe não advertia, fazia premonições, algo como a voz do futuro em casa:
- Filha, você não pode depender de homem. Você tem que ganhar seu próprio dinheiro. Imagine pedir dinheiro a um homem para comprar um Modess?
Eu ficava assustada, era uma menina entre dois irmãos e circulando numa residência absolutamente masculina, onde o homem podia tudo e a mulher somente podia reclamar de não fazer nada.
Levei o conselho como um mandamento marista, um princípio jesuíta, pendurei na parede de minha vida como uma cruz.
Orientava e treinava minha disciplina, estimulava que aprendesse línguas estrangeiras. Logo abandonei mesadas, recusava presentes. Não fui domesticada.
Segui carreira de modo exemplar.
Pouco antes de me formar em medicina, estagiava para garantir a independência, era solteira, moderna, descolada, estava à beira da alforria completa quando conheci minha amiga Carol. A loirinha dinâmica tinha um namorado a quem servia em pormenores: acompanhava e organizava a agenda, acertava contas, garantia cursos na área, além de toda a sorte de mimos e garantias de amor e fidelidade.
Perguntei a ela se não tinha medo de se tornar dependente dele. Calma, sorriu ancestral e liquidou o assunto:
- Quem depende de mim é ele.
Uma nova dimensão feminina do respeito se abriu para mim.
Depois da Carol, mudei muito em relação à parceria. Não me sinto culpada por coincidir desejos com o namorado. Não realizo o que não tenho vontade, eu cuido dos meus cuidados.
Antecipar-se ao que o outro precisa não é submissão. O termômetro fica por conta do prazer. Quando sou altruísta, sou também egoísta, faço porque quero. Faço porque ninguém manda em mim, nem minha mãe.
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