Foto:Fernando Gomes
Sem contato pessoal direto entre paciente e terapeuta, a terapia via internet ganha espaço e gera debate na área da saúde
Sentada em uma confortável poltrona, a paciente relata suas angústias à psicoterapeuta. Faz confidências, conta problemas do dia a dia e desabafa emoções, à espera de soluções.
Seria uma sessão rotineira se paciente e terapeuta não estivessem separadas por mais de 10 mil quilômetros de distância, uma na Itália, e a outra, em Porto Alegre. E mais: elas nunca se viram pessoalmente.
A terapia online, também chamada de webterapia, é um exemplo real de uma prática que se dissemina entre psicólogos, psiquiatras e médicos psicoterapeutas gaúchos. Apesar de estar se tornando comum, o Conselho Federal de Psicologia a proíbe por não haver estudos garantindo sua eficácia (ver texto na página seguinte). A situação é considerada mais grave quando envolve a cobrança de honorários, o que ocorre na maior parte das vezes.
O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, afirma que o contato entre médico e paciente deve ser presencial. Contudo, apesar de considerar a prática inadequada, não faz referência ao assunto em seu código de ética.
No Rio Grande do Sul, um dos poucos profissionais que admitem atender pacientes pelo computador é o psiquiatra Nelio Tombini, chefe do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa. Sem receio de falar sobre o assunto, ele diz que o assunto merece ser discutido pela classe médica como uma nova realidade da profissão.
Adepto, há um ano, de um software que permite ver e ouvir o interlocutor ao vivo pelo computador, ele enxerga um futuro promissor para a atividade:
— O atendimento pelo Skype vai se desenvolver muito. Ele tem suas limitações, não tem como ver alguns gestos da pessoa, reações, mas, se não for usado, muitos ficarão sem acesso a uma psicoterapia. O perigo, nesses casos, é a hipocrisia, os colegas que não dizem que fazem, pois pode não ser politicamente adequado.
Atualmente, Tombini tem três pacientes online. Todos começaram sendo atendidos pessoalmente, em Porto Alegre, e depois passaram para o virtual devido à distância de casa em relação ao consultório. A meta é, sempre que possível, encontrarem-se pessoalmente. Na nova empreitada, Tombini só não abre mão de uma coisa:
— Não atendo ninguém sem avaliá-lo pessoalmente. Posso passar ao Skype, mas tenho de ver a pessoa cara a cara primeiro.
Como funciona
Paciente e terapeuta acertam o horário de cada sessão, observando atentamente os fusos horários para não haver desencontros:
1) Na hora marcada, paciente e terapeuta ligam o computador para se conectar por meio do Skype. A sessão só começa quando a conexão da internet estiver boa dos dois lados, a fim de evitar interrupções nas transmissões de imagem e voz feitas por webcams e microfones acoplados aos computadores
2) Em seu computador, o terapeuta coloca a imagem do rosto do paciente, de modo a preencher toda a tela. Assim, ele pode observar com mais atenção as expressões faciais do paciente
3) Normalmente, cada encontro dura uma hora, o mesmo tempo de uma sessão presencial. Como estão despendendo seu tempo, os profissionais cobram pelo serviço
Polêmica online
A prática do atendimento pelo computador vista pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pelo Conselho Regional de Medicina (Cremers):
O QUE PODE
- Atendimentos não psicoterapêuticos, como orientações psicológicas sobre temas como relacionamento, sexo, profissional, educação e ergonomia
- Consultorias a empresas, seleção de pessoal e testes psicológicos informatizados autorizados pelo Conselho Federal de Psicologia
- Cobrança de honorários nas situações apresentadas nos dois itens acima
- Atendimento psicoterapêutico realizado em caráter experimental, desde que faça parte de projeto de pesquisa e tenha sido aprovado por comitê de ética
- Em grupos de reflexão sobre temas psicológicos, um ou mais participantes podem participar via internet desde que não paguem por isso
- Aos médicos, orientar eventualmente pacientes
O QUE NÃO PODE
- Cobrança de honorários nos atendimentos psicoterapêuticos de caráter experimental
- Remuneração ao usuário pesquisado
- Divulgação de dados dos pacientes pesquisados
- Deixar de mencionar, em manifestações públicas, que a prática é experimental
- Nos casos em que a cobrança de honorários é autorizada (orientações psicológicas e consultorias a empresas, por exemplo), divulgar preços como forma de propaganda
- Aos médicos, prescrever medicamentos, fazer diagnósticos à distância e tratamentos que não sejam presenciais
Convidados:
- Psicanalista, MARCELO BLAYA PERES
- Tesoureiro do CREMERS, ISAIAS LEVY
- Jaques Machado
- Chefe do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa, NÉLIO TOMBINI
- Lauro Quadros
- Conselheira do Conselho Regional de Psicologia, CLARICE MOREIRA
- Médica e psicoterapeuta CINTHYA VERRI