EPITÁFIO
Imperava sobre os sentidos.
Imperava sobre os sentidos.
Toda a vida tratei de ser mulher independente, moderna, destemida.
Em casa, o pai oferecia espaço na cozinha e na área de serviço; eu exigia aulas de espanhol. A mãe me inscrevia para cursos de modelo e manequim; eu queria dirigir motos, ter carrinhos com controle remoto, sair em viagens com a escola, jogar basquetebol. Eu venho de uma casa machista, onde valia mais o “o”. As calças eram do homem.
Minha alternativa foi querer ser melhor que ELES no campo inimigo, assim quem sabe, passaria a valer alguma coisa. Psicanalistas chamam de inveja do pênis. A mim pouco me toca o nome que dão, foi a melhor coisa que pude fazer.
Depois da análise e da vida, nada disso importava mais, queria mesmo era ser feliz no amor.
Trabalhei muito o ciúme: treinei os modos com ele. Tornei-me educada, polida, fina, quando enciumada. Não acho que tenho o direito de espremer a vítima com minhas suspeitas. Aguento no osso.
Eu me disciplinei a não telefonar perseguindo, a não mexer em gavetas, emails e carteira alheias, a não exigir que me ligue, que me escreva, que me dê atenção. Sempre fui de deixar quieto. Óbvio que falhava de vez em quando, mas tentava meu melhor. Aprendi a cuidar do que precisava. Se o outro compunha comigo era lucro.
Nunca acreditei em rédea curta.
Eu vinha felizmente arrogante com minha competência em ter e dar liberdade.
Quando comecei a namorar o Bitols, isso mudou. Primeiro, ele veio com uma proposta de sermos dependentes um do outro:
- Quê?
- Claro, olha que lindo se tu me ligasse durante toda a tarde e fosse me contando as tuas coisas. Sem essa de guardar tudo pro jantar! Ainda vou te transformar numa perdigueira.
No início, foi muito estressante. Às três da tarde recebia torpedos enfurecidos cobrando porque é que não tinha dado notícias desde o almoço, afinal, toda a tarde já tinha passado.
Toda a tarde?
- Mas Bitols, eu tava atendendo.
- Não consegue mandar um torpedinho? É assim que tu cuida de mim? Ainda vou te transformar numa perdigueira.
O homem era um vesúvio.
- Esqueceu o celular em casa? O quê?! Mas tu não pensa em mim de manhã? Não pensa que ia ficar sem falar comigo?
- Mas Bitols, eu saí correndo atrasada...
- É assim que cuida do nosso amor? Ainda vou te transformar numa perdigueira.
Tudo para mim era novidade. E eu que me achava na medida certa do equilíbrio? Como admitir minha aspereza e falta de romantismo? Juro que acreditava que indiferença era modernidade. Difícil entender o que ele queria. Foi quando Bitols fez um texto: quero uma mulher perdigueira.
Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos para contar de uma ideia ou de uma nova invenção para salvar as finanças, quero uma mulher que ame meus amigos e odeie qualquer amiga que se aproxime. Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. Que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe de noite com o sal grosso de sua nudez. Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar. Que peça desculpa depois do desespero e me beije chorando.
(...)
Quero uma mulher que esqueça o nome de seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos.
Em casa, o pai oferecia espaço na cozinha e na área de serviço; eu exigia aulas de espanhol. A mãe me inscrevia para cursos de modelo e manequim; eu queria dirigir motos, ter carrinhos com controle remoto, sair em viagens com a escola, jogar basquetebol. Eu venho de uma casa machista, onde valia mais o “o”. As calças eram do homem.
Minha alternativa foi querer ser melhor que ELES no campo inimigo, assim quem sabe, passaria a valer alguma coisa. Psicanalistas chamam de inveja do pênis. A mim pouco me toca o nome que dão, foi a melhor coisa que pude fazer.
Depois da análise e da vida, nada disso importava mais, queria mesmo era ser feliz no amor.
Trabalhei muito o ciúme: treinei os modos com ele. Tornei-me educada, polida, fina, quando enciumada. Não acho que tenho o direito de espremer a vítima com minhas suspeitas. Aguento no osso.
Eu me disciplinei a não telefonar perseguindo, a não mexer em gavetas, emails e carteira alheias, a não exigir que me ligue, que me escreva, que me dê atenção. Sempre fui de deixar quieto. Óbvio que falhava de vez em quando, mas tentava meu melhor. Aprendi a cuidar do que precisava. Se o outro compunha comigo era lucro.
Nunca acreditei em rédea curta.
Eu vinha felizmente arrogante com minha competência em ter e dar liberdade.
Quando comecei a namorar o Bitols, isso mudou. Primeiro, ele veio com uma proposta de sermos dependentes um do outro:
- Quê?
- Claro, olha que lindo se tu me ligasse durante toda a tarde e fosse me contando as tuas coisas. Sem essa de guardar tudo pro jantar! Ainda vou te transformar numa perdigueira.
No início, foi muito estressante. Às três da tarde recebia torpedos enfurecidos cobrando porque é que não tinha dado notícias desde o almoço, afinal, toda a tarde já tinha passado.
Toda a tarde?
- Mas Bitols, eu tava atendendo.
- Não consegue mandar um torpedinho? É assim que tu cuida de mim? Ainda vou te transformar numa perdigueira.
O homem era um vesúvio.
- Esqueceu o celular em casa? O quê?! Mas tu não pensa em mim de manhã? Não pensa que ia ficar sem falar comigo?
- Mas Bitols, eu saí correndo atrasada...
- É assim que cuida do nosso amor? Ainda vou te transformar numa perdigueira.
Tudo para mim era novidade. E eu que me achava na medida certa do equilíbrio? Como admitir minha aspereza e falta de romantismo? Juro que acreditava que indiferença era modernidade. Difícil entender o que ele queria. Foi quando Bitols fez um texto: quero uma mulher perdigueira.
Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos para contar de uma ideia ou de uma nova invenção para salvar as finanças, quero uma mulher que ame meus amigos e odeie qualquer amiga que se aproxime. Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. Que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe de noite com o sal grosso de sua nudez. Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar. Que peça desculpa depois do desespero e me beije chorando.
(...)
Quero uma mulher que esqueça o nome de seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos.
Afinal, caiu a ficha. Achei até justo, mas impossível pra mim.
Venho me esforçando para aumentar a superfície de contato ao longo do dia e ele, para diminuir a urgência.
Com o tempo, sabemos mais um do outro. Ficou mais fácil ao perceber que ele não escolhia ansiar tanto; era da natureza dele tanto quanto era da minha a estranheza e a solidão.
Na infância do Bitols, apenas o feminino tinha valor: homem não prestava, homem abandonava, partia sem olhar para trás.
Corremos mundos opostos em direção ao centro. Nos achamos na praça para brincar de gangorra.
De março do ano passado, quando fez a crônica, para junho deste ano, muita coisa mudou. O lançamento do seu novo livro de crônicas, Mulher Perdigueira, está acontecendo.
Essa semana, amigos me disseram que não sabiam que eu era tão ciumenta. Tinham lido crônicas do Fabrício supostamente feitas sobre mim.
- Quem diria, hein? Cínthya, uma mulher perdigueira! Como tu engana bem...
Adianta gritar que "É LITERATURA! Ele inventa coisas!" Adianta?
Uh! Que ódio! Todo mundo pensa que sou EU a mulher perdigueira! Justo eu?
Não posso acusá-lo de não ter me avisado.
Mas posso usar a asma e matar o bastardo sufocado (de tanto amor).
AUTÓGRAFOS DE MULHER PERDIGUEIRA
4/6 (sexta), 19h30 - Rio de Janeiro (RJ)
Debate com a cantora Ana Carolina
Sessão de autógrafos do livro de crônicas
Mulher Perdigueira (Bertrand Brasil, 336 páginas)
Livraria Argumento
(Rua Dias Ferreira, 417)
21 2239-5294
_________________________________
7/6 (segunda), 19h30 - Porto Alegre (RS)
Debate "O AMOR É SIMPLES",
com Martha Medeiros e José Pedro Goulart
Sessão de autógrafos do livro de crônicas
Mulher Perdigueira (Bertrand Brasil, 336 páginas)
Livraria Cultura
Bourbon Shopping Country
(Av. Túlio de Rose, 80 - Loja 302)
51 3028-4033
4/6 (sexta), 19h30 - Rio de Janeiro (RJ)
Debate com a cantora Ana Carolina
Sessão de autógrafos do livro de crônicas
Mulher Perdigueira (Bertrand Brasil, 336 páginas)
Livraria Argumento
(Rua Dias Ferreira, 417)
21 2239-5294
_________________________________
7/6 (segunda), 19h30 - Porto Alegre (RS)
Debate "O AMOR É SIMPLES",
com Martha Medeiros e José Pedro Goulart
Sessão de autógrafos do livro de crônicas
Mulher Perdigueira (Bertrand Brasil, 336 páginas)
Livraria Cultura
Bourbon Shopping Country
(Av. Túlio de Rose, 80 - Loja 302)
51 3028-4033
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