EPITÁFIO
No Amazonas a água é verde e barrenta
e muito mais segura do que a terra.
No Amazonas a água é verde e barrenta
e muito mais segura do que a terra.
Bitols é um caixeiro viajante da palavra. É convidado para palestrar em tudo que é lugar: de Cacimbinhas à São Paulo, de Arroio do Sal à Natal. Às vezes eu posso ir junto, fico feliz da vida.
É clichê, eu sei, mas adoro viajar. Fui um bom tanto na vida na época em que o pai sustentava. Mais um pouco no tempo da residência. Botei os pés na Europa e nos Estados Unidos. Cheguei a mais de um território latinoamericano. No país, conheci capitais e fiz considerável montante de kilômetros litorâneos. O melhor foi o ano em que morei na Amazônia.
Cada um tem uma vida paralela silenciosamente desejada, sonhos recolhidos disso ou daquilo. Eu guardo planos secretos de voltar para o Pará.
Antes de namorarmos, já quase não viajava: uma coisinha aqui e ali. Partia principalmente para empreitadas de ser a médica em rallyes, em baterias de motocross, em campeonato de vale-tudo. Portava garbosa macacão escrito SOCORRO ou RESGATE e tudo.
As raízes menos elásticas poderia atribuir ao sacerdócio que adotei na profissão, à nobreza monástica, enfim. Mas não posso culpar a medicina, é muito mais a dificuldade de quem é autônomo no Brasil. Sair à paisana significa perder duas vezes – por não ganhar trabalhando e por gastar no passeio. Cada dia conta.
O mesmo posso dizer de Bitols que nunca vi parar de produzir. É a liberdade do auto-emprego. Não tem milagre.
Certa feita, Bitols foi convidado para ir à Itacoatiara, na Amazônia. Meu coração disparou. Quase esperei que me convidasse. Acabei me atirando mesmo:
- Me leva, Bitols?
- Claro.
Que maravilha! Programei a agenda, cuidei de tudo, seria apenas um fim de semana, perfeito.
Aí começaram os detalhes: saída na madrugada, onze horas de voo em aviões separados porque a produção não arranjou passagem junto. Espera de horas solitárias no aeroporto em Manaus; depois mais 6h sacolejando em ônibus sobre estrada mista de terra e buracos dirigida ao interior do matagal. Resumo: uma indiada.
Mas estávamos juntos, a cidade era uma graça, o festival emocionante de leitura na floresta. As gentes amáveis, alegres, o calor do amazonas de que muito sentia saudade.
A palestra do Bitols foi um estouro. Adoraram. Ele é muito cativante e o discurso é animado, inteligente e bem humorado. É uma performance. Lança mão de recursos inusitados: escreve palavras com o que resta dos cabelos na nuca, pinta as unhas da mão esquerda, usa óculos coloridos com formatos estranhos de taça, de estrela, com luzinha. Adapta ao rosto dos convidados que dividem o palco. Ainda transporta perucas, algumas loiras, outras cor-de-rosa e até uma de crespos fios pink. Joga espuma na audiência que ri como quem goza. Tudo sai de uma sacola tímida carregada por ele. Um sucesso.
Fomos para o hotel, eu me sentindo a primeira-dama. Arrumadíssima, festejada pelos presentes, uma celebridade instantânea. No quarto ríamos felizes, pitadas de euforia por causa do cansaço. Tinha sido uma maratona.
Pela manhã, ajeitamos nossas malas e passamos a reorganizar os pertences da sacola de palestras. Derramei os itens pela cama e fui recolocando: perucas, óculos, latas de spray, um pacote de camisinhas.
- Isso aqui faz parte do teu Kit palestras?
- Mas amor, tá fechada. Tem mil anos aí dentro!
- Aham, sei.
Acho que vou virar caddie de palestrante. Com um macacão escrito LEÃO DE CHÁCARA.
É clichê, eu sei, mas adoro viajar. Fui um bom tanto na vida na época em que o pai sustentava. Mais um pouco no tempo da residência. Botei os pés na Europa e nos Estados Unidos. Cheguei a mais de um território latinoamericano. No país, conheci capitais e fiz considerável montante de kilômetros litorâneos. O melhor foi o ano em que morei na Amazônia.
Cada um tem uma vida paralela silenciosamente desejada, sonhos recolhidos disso ou daquilo. Eu guardo planos secretos de voltar para o Pará.
Antes de namorarmos, já quase não viajava: uma coisinha aqui e ali. Partia principalmente para empreitadas de ser a médica em rallyes, em baterias de motocross, em campeonato de vale-tudo. Portava garbosa macacão escrito SOCORRO ou RESGATE e tudo.
As raízes menos elásticas poderia atribuir ao sacerdócio que adotei na profissão, à nobreza monástica, enfim. Mas não posso culpar a medicina, é muito mais a dificuldade de quem é autônomo no Brasil. Sair à paisana significa perder duas vezes – por não ganhar trabalhando e por gastar no passeio. Cada dia conta.
O mesmo posso dizer de Bitols que nunca vi parar de produzir. É a liberdade do auto-emprego. Não tem milagre.
Certa feita, Bitols foi convidado para ir à Itacoatiara, na Amazônia. Meu coração disparou. Quase esperei que me convidasse. Acabei me atirando mesmo:
- Me leva, Bitols?
- Claro.
Que maravilha! Programei a agenda, cuidei de tudo, seria apenas um fim de semana, perfeito.
Aí começaram os detalhes: saída na madrugada, onze horas de voo em aviões separados porque a produção não arranjou passagem junto. Espera de horas solitárias no aeroporto em Manaus; depois mais 6h sacolejando em ônibus sobre estrada mista de terra e buracos dirigida ao interior do matagal. Resumo: uma indiada.
Mas estávamos juntos, a cidade era uma graça, o festival emocionante de leitura na floresta. As gentes amáveis, alegres, o calor do amazonas de que muito sentia saudade.
A palestra do Bitols foi um estouro. Adoraram. Ele é muito cativante e o discurso é animado, inteligente e bem humorado. É uma performance. Lança mão de recursos inusitados: escreve palavras com o que resta dos cabelos na nuca, pinta as unhas da mão esquerda, usa óculos coloridos com formatos estranhos de taça, de estrela, com luzinha. Adapta ao rosto dos convidados que dividem o palco. Ainda transporta perucas, algumas loiras, outras cor-de-rosa e até uma de crespos fios pink. Joga espuma na audiência que ri como quem goza. Tudo sai de uma sacola tímida carregada por ele. Um sucesso.
Fomos para o hotel, eu me sentindo a primeira-dama. Arrumadíssima, festejada pelos presentes, uma celebridade instantânea. No quarto ríamos felizes, pitadas de euforia por causa do cansaço. Tinha sido uma maratona.
Pela manhã, ajeitamos nossas malas e passamos a reorganizar os pertences da sacola de palestras. Derramei os itens pela cama e fui recolocando: perucas, óculos, latas de spray, um pacote de camisinhas.
- Isso aqui faz parte do teu Kit palestras?
- Mas amor, tá fechada. Tem mil anos aí dentro!
- Aham, sei.
Acho que vou virar caddie de palestrante. Com um macacão escrito LEÃO DE CHÁCARA.
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