Sábado estive em um magnífico jantar de aniversário. A melhor paella da minha vida. Tudo soberbo, no ponto, incrível. Realmente admirável como é possível cozinhar arroz e frutos do mar e alcançar a perfeição. Um milagre calórico. Razão mais que suficiente pra acabar com a dieta no mesmo instante. Só o perfume já valeria os 10km de esteira equivalentes.
No jantar, uma única criança estava presente. Uma menina de nove anos. Ela, naturalmente alegre, como a maioria dos que ainda estão inaugurando quase tudo, comia despreocupada.
Começou com uma tia que a puxou para o cantinho e começou a sabatina para o “bem”dela.
- Você precisa emagrecer agora, antes dos dez anos é mais fácil! Depois fica cada vez mais difícil. A tia fala isso pra te ajudar.
A menina, silenciosa, baixa os olhos, segue adiante.
Na mesa, pede uma coca normal. Mas não tinha normal, só light ou zero, enfim. Alguém retruca:
- Mas você de açúcar não precisa mais nem um pouco! Tá bom de açúcar já!
O comentário não se referia à doçura do caráter dela.
Fui teletransportada aos meus dez anos, a minha cintura quadrada e à cara bolachuda. Junto, saiu do baú a sensação contínua de vergonha de meu corpo. Minha mãe insistia que eu “guardava nozes para o inverno”. Eu não entendia. Só sofria vendo que, de magricela ágil, eu tinha passado a ser um peso de papéis. Pensava que era uma maldição. Parecia que tinha batido o anel com um super irmão gêmeo e gritado: em forma de barril! Em forma de bola de gude! Em forma de câmara de pneu de caminhão!
Na época eu nada sabia sobre o estirão do adolescente, não imaginava que a menstruação significava tanto para a forma física. Se eu imaginasse que a menarca ia salvar meu corpo daquele cubo vexatório, estaria bem mais tranquila.
Mas meus irmãos providenciavam o pânico diariamente. Aproveitavam a fragilidade dos meus ouvidos e ferviam com altíssima criatividade ofensas, impropérios, xingamentos e desqualificações variadíssimas. Lavavam a baia, como se diz.
Eu chorava e me sentia horrível.
Aos vinte e poucos anos tive anorexia, até hoje tenho ranhuras pra aceitar que sou bonita. Sou bonita?
Não é uma queixa total, fiz um bom uso da minha suposta feiúra, acabei sendo inteligente e meio nerd. Depois da guerra fraterna, bulling na escola era fichinha. Tem suas vantagens.
Não proponho que se poupem as crianças dos embates sociais, das ofensas nas ruas, dos constrangimentos públicos. Proponho é o fim do bulling da magreza dentro de casa. É a fase de aprender a ter um corpor e a gostar dele.
Deixa a criança comer em paz.
Ouça a Crônica Falada que foi ao ar na Itapema FM
(arraste aos 30´20´´ do programa)
Porque o tema deu muita repercussão, decidimos, eu e a Katia, repetir a dose na TV
Assista a essa Crônica na TVCOM, Programa Camarote:
na realidade não vou conseguir me expressar direito. mas tchê, é impressionante, tá escrevendo muito. tipo, fica visual, dá p supor que "bah, essa guria deve ter ficado várias tardes revirando as entranhas da consciência" certo q tu não é um Buda, mas alcançou um estágio de auto-conhecimento admiravel. Referencio! hehe. Um abraço
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