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terça-feira, 29 de julho de 2014

A METADE DA VIDA

Velha demais para casar.


Na infância, pensava que estaria velha aos trinta e cinco anos, em fim de carreira. Praticamente uma aposentada, veria os filhos maiores estudando, adolescentes responsáveis. Rica, casa própria, carro importado, caminhonete para viagens longas. E piscina. Coisa importante seria a piscina. Não de fibra, mas uma de azulejos portugueses com desenhos. Retangular e imensa, olímpica, própria para a natação logo cedo. Faria sol. Sempre em minha fantasia era domingo, dia de sol. Talvez frio, mas a luz namoraria as margens com ternura de manhã. Eu chegaria com meu roupão branco, colocaria uma touca de silicone. Não, melhor: sem touca. Teria cabelos livres. O empregado prepararia a água com muito azul, conforme as instruções nos pacotes dos produtos para tratamento do meu oásis particular. Àquela hora, teria acabado de escovar a superfície com a peneira fina deixando um sutil penteado aquático. A hora do mergulho é o luxo de produzir ondas. E etc, etc.

Enfim, fecho aqui o parêntesis da piscina, devaneio em que até hoje me perco; não era esse o assunto, tomei um caldo. De qualquer forma, chegando aos trinta e cinco, é certo que eu teria gasto toda a juventude; na minha cabeça, configuraria uma senhora para lá de idosa.

Não tirava isso do nada. Minha base de sonhos era a realidade que vivia em nossa casa no interior. Não fazia meus castelos no ar, mas na areia sob o limoeiro do imenso pátio. Fazia sentido diante do meu mundo: ele media o tamanho do céu.

Ao contrário de minhas antigas crenças sobre longevidade, hoje, uma amiga de cinquenta anos me disse: "nem passei da metade da vida!". Imaginei um caso gravíssimo de otimismo renitente, mas logo concluí que se tratava de uma iludida.

Não é que cinquenta anos seja muito, pode ser até pouco se pensarmos nos fantásticos supercentenários que aparecem na televisão, verdadeiros matusaléns modernos. A questão é que só sabe o meio do caminho quem chegou ao seu destino (que é a morte, em nosso caso). Nunca saberemos a envergadura de nossa avenida. Andamos em curva. É óbvio, eu sei. Mas a gente esquece. Pode ser um mês, dois dias, vinte anos. Quem sabe agora, nesse minuto, acabamos de cumprir a primeira metade do todo e nem notamos.

A criança tem toda sua vida de alguns anos. E toda a experiência é a que teve: é com ela que conta. Alguns desprezam o que elas vivem; alguns se surpreendem com a sabedoria. Pensando melhor, sempre é todo o tempo que já se teve, nunca menos. Não há tempo perdido, história que não se conte, desejo com que não se aprenda.

Neste sábado, uma mãe de noventa anos enterrou seu filho de sessenta, vítima de infarto agudo do miocárdio. Sem hora certa, o coração termina parando.

Não tenho piscina em casa, às vezes vou ao clube. Moro em apartamento alugado porque levaria cem meses para quitar um imóvel muito aquém do que eu preciso para gostar de residir. Meu carro é importado, mas por puro acaso. Acho que me enganei, mas tampouco posso dizer que não esteja no fim.

Tenho um roupão atoalhado branco e eu o visto para tomar café da manhã, eu mesma o preparo. Sou eu quem limpa o chão onde piso, quero conhecer meus azulejos. Beijo minhas cachorras e sou feliz para sempre. Até que a morte me separe da vida que pude viver.

2 comentários:

  1. eu tb sonhava com um piscina retangular, olímpica. e ela seria cor de rosa e n azul como todas as que conhecia... sonhos infantis... ao ler teu texto, lembrei disso :)

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  2. Me perdi ao navegar pela internet e parei aqui. Li seu texto, viajei, e me lembrei da Virginia Woolf, que ensinava: "Somos desfeitos pela verdade. A vida é um sonho, é o despertar que nos mata".

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