Imagem em igreja (Brantôme, França) |
Futebol, política e religião, já diria meu pai: não se discute. Essa máxima surgiu na minha casa quando meu irmão mais velho fez uns questionamentos para uma visita muito católica que recebíamos. O senhor pregava na sala enquanto esperávamos o churrasco. O garoto disparou: já que entende tanto da história da bíblia, vou aproveitar para perguntar — se Adão e Eva tiveram Caim e Abel; e se um matou o outro: quem continuou a família?
O homem, sem hesitar, respondeu:
— Ah, meu filho, isso é uma questão de fé.
Estudos comprovam: os crentes vivem mais ou melhor. Acreditar em alguma força superior, ou orar, acalma na hora da tristeza e, dizem alguns, ajuda na cura do câncer. Os grupos nas igrejas auxiliam dependentes químicos, a palavra do senhor parece recuperar criminosos — ao menos Suzane Richthofen, a parricida, virou pastora. E a conversão religiosa faz sucesso na penitenciária. Os sujeitos se arrependem. Mesmo.
Mas é em nome da fé que assassinaram três jovens judeus esta semana em Israel. Aliás, em nome da fé em Hitler choramos as consequências do holocausto até hoje. Em nome da fé, as mulheres muçulmanas não podem caminhar sem um homem, não podem trabalhar fora de casa, não serão salvas se o médico for do sexo masculino (sendo que não podem ser médicas), receberão chicotadas em caso de um calcanhar descoberto e o testemunho delas vale apenas a metade da verdade. Em nome da fé, africanas têm seus clitóris extirpados. Em nome da fé, a circuncisão é feita à unhadas, literalmente. Em nome da fé, mulheres hindus são enforcadas nas árvores.
Em nome da fé, uma pessoa deixa de ter seu próprio juízo e condena outra por obediência a uma doutrina. Por quê? Porque temos medo de viver sem culpa. Temos medo de que a desgraça cairá sobre o herege, temos medo do fogo do inferno, temos medo da eternidade. No fundo, temos medo de quem somos.
Eu não sou contra a religião, não sou contra a fé. Eu sou a favor do homem. Eu acredito que podemos nos ajudar, eu acredito em ser responsável pelo que eu faço. E sou responsável pelo que acredito. Eu não acredito em deus. E daí? Não me tornei agressiva, não subjugo meu gênero oposto, não destruo o corpo de ninguém, não pego o que não me pertence. Eu sou uma fiel ao amor. Eu confio em mim.
Não penso que a culpa ajude no autocontrole. Aliás, a culpa não ajuda em nada. Ao contrário: a culpa faz o homicida que pede perdão. Não é a ocasião: é a culpa que faz o ladrão.
A fé pode explicar o que não entendemos, mas não transforma um crime em um ato de deus. Não é esse o milagre. Cada um acredita no que quiser para disfarçar sua violência ou seu desejo de vingança; para justificar o imperdoável.
Fé demais não cheira bem. Fé demais deixa de ser fé, atende pelo nome de delírio. Não foi a crença que deu dignidade. Mas, às vezes, é em nome de um dogma que o homem desiste da racionalidade, desiste de ser uma pessoa. Perdoai. Eles não sabem o que fazem. Mas e você, que sabe?
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