Os calouros disputavam pelo trono de melhor voz, jamais a coroa da fruta.
Lembrei do programa de minha infância, no momento em que um amigo comentou suas táticas para aproveitar o almoço:
- Quando me sirvo em bufê por quilo, não coloco fruta ou verdura. Não comerei banana a preço de carne!
Pisquei duas vezes para entender. Naturalmente escolho o verde e o sumo para contrabalançar os nutrientes. Não questionava: pagava a minha saúde.
A lógica dele era diferente. Tanto faz o que pega, paga-se o prato igual. O peso não pode ser desperdiçado com o lazer. Sim, fruta é vista como um supérfluo, que deveria estar à disposição numa cesta para qualquer um mordiscar à vontade. Não podia ser cobrada.
Fui conferir com o irmão: batata. Batata, não, carne!, prefere também encher a guarnição com uma costela suculenta. Com o pai, o mesmo. Com o namorado, mesma sina.
Não é avareza, é outro pânico. Um medo de ser traído pela malandragem alheia.
Explico: estamos permanentemente com a sensação de que alguém quer tirar vantagem em cima de nossa ingenuidade e nos antecipamos. Certos ou errados, pensamos o pior.
É um golpe para anular um golpe. Um truque para ludibriar a balança, uma lei para tirar a melhor vantagem.
No restaurante, paira sobre a cabeça a nuvem do malandro, a aura do esperto. Suspeitamos todo o tempo, com fobia de ser passado pra trás. Simples arrogância, feita pra disfarçar a desvalia: não nasci ontem, eu não sou qualquer um para ser enganado.
Como se fosse possível controlar a eficácia da armadilha. Quando não quero ser enganado, engano. Eu passo a perna, primeiro, para garantir que não serei a vítima.
Proponho chamar engodo profilático o ato de sacanear por medo de ser tirado pra palhaço.
Quem engana por segundo, mesmo que supostamente segundo, não está enganando propriamente. É uma imunidade diplomática.
Isso não passa de ardil para gozar em cima do outro. Temos um golpista dentro da gente esperando para dar o bote.
Não aceitaremos o preço do técnico de informática - ele é novo mecânico - com o estigma de enrolador. O mesmo com o taxista, supondo que encontrará um jeito de tomar o caminho mais longo e acelerar o taxímetro.
Somos infinitamente mais saqueados em imaginação do que na realidade. Que diferença faz quando a imaginação já está no poder? O paranóico sempre está certo.
Paranóia não cura paranóia: só aumenta.
O trono do Chacrinha hoje é a balança.
Confira a Crônica Falada exibida no Camarote TVCOM:
Oi, Cínthya! Bela crônica, definidora de um comportamento típico de nós, brasileiros, ou seja, pretendemos levar vantagem, pois, caso contrário, alguém a estará levando às nossas custas. Paranoia, muitas vezes ingênua, porém pertubadora, de quem preocupa-se apenas consigo mesmo. Muito desse comportamento define a nossa falta de sentimento coletivo e dificulta nossa convivência em comunidade. Infelizmente, há fartura de exemplos que comprovam isso, todos os dias.
ResponderExcluirPS: tomei conhecimento dos seus textos através do blog do Fabro, de quem já era fã, e, a partir de então, tornei admirador do casal.
Cínthya:
ResponderExcluirTenho acompanhado o blog e gostado muito. Parabéns pelo texto.
À propósito: minha vó caiu no golpe do bilhete premiado há alguns anos atrás... rs