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domingo, 22 de agosto de 2010

O Velho-do-saco da Gula


Isabelle Caro, em campanha para Nolita

Eu descobri que estava sofrendo de transtorno alimentar quando procurei na embalagem o quadradinho com as informações nutricionais. Até aí, tudo bem, mas a caixinha em questão era de sabonete.

A neurose é converter a composição de alimentos em bulas de remédios. Catar calorias em uma barra de sabão parece bizarro, mas não é uma atitude isolada e exclusiva.

Avançamos na fiscalização, além do controle do excesso. São atitudes fóbicas à comida mais do que preventivas. Atualmente, a normalidade é a restrição alimentar. Não se enxerga naturalidade feminina em relação ao alimento. Ela tem medo da comida, pânico de engordar. Ao sobrepeso, prefere cigarro, vomitar após a refeição ou exercícios físicos para punir a sobremesa. Cada vez mais corriqueiro como subir na balança do supermercado.

Talvez o surgimento do velho-do-saco da gula tenha sido na cozinha, quando a mãe fazia chantagem: oferecia o sorvete se a filha comesse o bife. O simples ato hipervalorizava o doce e inventava o salgado como castigo. Na época, entrávamos no terreno das proibições.

Nas festas de aniversário podemos comer “tudo o que queremos”. Essa tradição subentende a necessidade de polícia aos desejos em todos os outros dias. Não é à toa que temos tanto medo de atender ao apetite. A fome é o fantasma das adultas.

Personalidades adeptas aos movimentos anti-anorexia ainda são escassas, o debate é pequeno perto dos anúncios, dos outdoors, das atrizes ossudas, das modelos sem saboneteiras, das revistas enviesadas. Emagrecemos a verdade, desidratamos a inteligência, recebemos soro com imagens alteradas por photoshop. A moda é corrigir fotos de bebê no perfil do facebook antes de exibir aos amigos.

Eu descobri que estava recuperada no momento em que não sabia dizer a um amigo se o creme de leite que usamos no molho tinha sido “normal” ou “light”. Doença é quando perdemos o direito de nos distrair.

Somos o velho-do-saco. Ele não está debaixo da cama, mas debaixo da mesa.

>>Assista esta Crônica Falada
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM.
Apresentação @katiasuman
Crônica de @cinthyaverri exibida em 20/08/10


7 comentários:

  1. Nossa, muito bom mesmo.
    Parabéns pelo texto.

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  2. Oi, bonita!

    Acho que o velho-do-saco da gula está justamente na mídia. É incrível como não vemos pessoas reais na televisão ou nas revistas. Os padrões são ilusórios e enganadores, impossíveis de serem atingidos sendo seres normais que somos. Daí precismos desumanamente nos transformamos em alienígenas, comedores de vento, alcool e cigarros. Ficamos doentes para nos sentirmos iguais. Mas iguais a quem mesmo??? Ficamos doentes também quando esquecemos os motivos da doença, tamanha a confusão que nos tornamos.

    bjuu!

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  3. Joaquim,
    Isabelle Caro morreu em 17 de novembro de 2010 em Tóquio, no Japão, de causas relacionadas com a sua anorexia. A família só divulgou a morte de Isabella para a mídia em 29 de dezembro de 2010.

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  4. Mentira... ela morreu mesmo foi ontem... depois de jantar.

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  5. eu tive anorexia aos 19 anos.. foi a pior coisa q me aconteceu na vida.. parei de comer.. não descia nada garganta abaixo.. cheguei aos 39 quilos com 1,63, motivo: fim de um namoro e algumas depêndencias na faculdade, aliado a um tratamento errado pra "desmaios".
    não há muito o que fazer.
    tranquei a faculdade pq vi q ia morrer, acordei, mas não são todas que acordam.
    não é normal perder o apetite. se aconteceu isso, preste mais atenção em você!
    feliz 2011 a todos!

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