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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Preso na Ferragens

EPITÁFIO

Parecia ter nascido sobre rodas.



Bitols sofre muito com o trânsito. Não com engarrafamentos ordinários, esses em que ficamos estagnados, espremidos em ruas estreitas da cidade. Bitols padece do mal da BR-116.

Entre as cidades da grande Porto Alegre, a ligação acontece pela estrada federal. Os imprevistos são os mais previsíveis: um choque entre carros pára tudo; um choque entre motos pára tudo; um buraco na rodovia pára tudo; um cão atropelado pára tudo; um pneu furado pára tudo.

Não se sabe se é fruto da curiosidade mórbida ou crise de engenharia: o fato é que os trechos ficam estreitos demais todo dia.

Mesmo assim, Bitols é um guerreiro do tráfego: não desiste de transportar seu filho de lá para cá e daqui para lá. Como a mãe do rapazote não dirige, a carga preciosa recai sobre os bancos do carro de Bitols. Mas isso não afeta a boa vontade do motorista, não senhor! Ele está sempre de prontidão e, em nome do amor paternal, nunca perde o entusiasmo.

Durante a semana, Bitols acorda às seis da manhã para garantir que o pequeno chegue no horário. Em dia de jogo, papai leva-e-traz arranja agenda para o transporte. Não é problema.

Nos horário de pico, é o deus-nos-acuda: às vezes leva mais de sessenta minutos para o trajeto de 30km.

Na sexta-feira que antecedia ao carnaval, por exemplo, Bitols ficou de me trazer o carro na volta da viagem. Deixou-me na clínica, para o trabalho, um pouco depois da uma da tarde. A seguir, partiu, zeloso, para devolver o guri ao lar materno.

Às três, eu estranhei um pouco, mas não comentei, afinal, estava entre um atendimento e outro. Além disso, minha paciente das duas tinha se atrasado quase meia hora devido a um engavetamento automobilístico. E ela vinha pela mesma bê-erre rumo ao centro da capital.

Às quatro, questionei minha secretária se o dito cujo tinha telefonado, mas nem sinal.

Quando bateram cinco badaladas, agarrei o celular:

— E aí, Bitols? Já chegou?

— Nossa, não, tô no maior trânsito.

— Sim, mas...

— É o carnaval, né? O povo tá todo na estrada para o litoral.

— Mas você está voltando no sentido contrário da maioria!

— Ah, não, não, mega trânsito.

— Bitols: quer me dizer que está da uma às cinco da tarde aí na estrada?

— Super trânsito!

— Bitols!!

— Se tu não acredita, fala com a Francesca, que esteve comigo no telefone o tempo todo!

— Tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu...

Pior do que atochar é meter a produtora no meio. Pena que não foi um acidente.

ENCONTRO MARCADO NA QUARTA



Problemas de relacionamento? Não prometemos trazer o amor de volta, mas nos comprometemos em dizer a verdade.

Na madrugada de quarta (22/2) para quinta (23/2), a partir da 1h30, Cínthya Verri e Fabrício Carpinejar colocam no ar seu Consultório Sentimental, novo quadro da Rádio Gaúcha, atração do programa Brasil na Madrugada. A apresentadora Sara Bodowsky faz a mediação das questões.

Com duração de noventa minutos, o tempo de uma partida de futebol, Quase Perfeito atende as dificuldades afetivas dos ouvintes. A ideia é representar um casal no ar, com um posicionamento feminino e outro masculino sobre o amor e a família. Fabrício e Cínthya citam os desafios mais espinhosos que já enfrentaram, fornecem conselhos e exemplos temperados com bom humor, sempre interagindo com o público, perguntando despretensiosamente as causas das intrigas, num tom “atrevido afetuoso”.

Para participar do programa, ligue (51) 3217-1610/ (51) 32176831/ (51) 3223060

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Alô, alô, marciano.



Rodrigo era um homem moderno. Moderno, não: pós-contemporâneo. Tinha um telefone mais avançado que o outro, computadores portáteis, carro com comandos vocais, videogames ramificados pela internet — disputava jogos com um turco e um norteamericano. Seu apartamento abria através de leitura digital, seu ar condicionado era acionado por um telefonema. Até mesmo a hidromassagem poderia esperá-lo pronta para às 20h.

Pela manhã, acordava com o despertador que tocava randomicamente seus DJs preferidos de progressive; a escova elétrica e o barbeador wireless aprumavam a higiene. Secava-se com toalhas quentes do aparato caloroso onde as pendurava. O café esperava passado às 7h e 15min, junto com o pãozinho da máquina de pães. No elevador, lia as notícias automáticas do teleprompter na tela plana.

Rodrigo orgulhava-se da própria praticidade e conexão com a velocidade nova do mundo. E, principalmente, satisfazia-se ao dispensar a comunicação direta entre pessoas. Detestava o “pessoal”.

Quando a conta de um dos telefones veio errada (pagava internet ilimitada e, naquele mês, cobraram minutos extras), não se abalou. Antes, sorriu.

Acessou o site apontado pelo Google, catou a área para assistência online, um chat ou assemelhados. Não encontrou mais que um “fale conosco”. Enviou um email simples especificando o assunto.

No outro dia, constatou que seu pedido não recebera nem mesmo uma resposta automática. Decidiu chamar a discagem gratuita para informar a ocorrência:

— Para compras, disque 1; para bloqueio e desbloqueio de aparelhos, disque 2; para informar mudança de dados cadastrais, disque 3; para informações referentes a sua conta telefônica, disque 4... — informou a gravação.

Apressou-se ao último algarismo citado, sorrindo de estar sua situação prevista pelo programador. A transferência da chamada acompanhava o áudio que agradecia a ligação e afirmava:

— Você é muito importante para nós. Sua previsão de atendimento é de — pausa — 40 minutos.

— Ora — pensou — quarenta minutos é demais, agora não dá. Tento mais tarde.

Assim o fez: no almoço, quando informaram uma previsão de 53 minutos; depois, no meio da tarde: 78 minutos; e ao entardecer: 91 minutos; e de dentro da hidromassagem, às 20h: 50 minutos. Uma vez que estivesse na jacuzzi, deixou em viva-voz e aguardou.

A voz gravada repetiu várias vezes a importância dele para a companhia e foi decrescendo a contagem do tempo até que uma moça atendeu. Rodrigo, com os dedos totalmente enrugados, mal conseguiu trazer a chamada de volta ao fone:

— Olá!
— Boa noite, sou Cilene, Informe o número do telefone com DDD.
— Ah, sim, pois não, 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Ok.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Quero informar um erro na cobrança.
— Pois não, senhor. Um minuto que vou estar verificando para o senhor. Por gentileza, confirme o número do seu CPF.
— 00010126077
— Confirmado, senhor. Por gentileza, confirme o endereço de entrega da fatura, senhor?
— Rua do Arvoredo, 77. Apartamento 12. Porto Alegre.
— Confirmado, senhor. Um minuto que estarei verificando no sistema, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Desculpe senhor, sua conta é pessoa física, senhor, o senhor apertou cobrança de pessoa jurídica, senhor.
— Não, não, eu apertei o quatro.
— Estranho, senhor, me desculpe, senhor, vou transferir sua ligação. Aguarde na linha,
— Não, não, espera, eu...

Mas o áudio familiar voltou à tona e Rodrigo desligou. Estava murcho e exausto. Ergueu sua carcaça combalida e arrastou os destroços para fora do naufrágio de espuma.

Respirou fundo e foi dormir. Amanhã tentaria outra vez.

Acordou feliz em sua rotina repleta de gadgets. Enquanto zunia a escova na boca, teve a brilhante ideia de pedir para a secretária do escritório resolver esse problema:

— Ótimo! — exclamou feliz para o espelho.

Ao final do dia, a moça de ar triste e exaurido veio informar que, infelizmente, não poderia fazer a reclamação no lugar dele: era exigido que o fizesse o titular da conta.

No trajeto para casa, Rodrigo cogitou a desistência. A soma não era tão significativa para tanto esforço. Mas aí, uma tendência até então oculta à guerrilha, um estado guevarístico injetou-lhe os olhos:

— Não — disse encarando o retrovisor.

Não iria desistir. Não iriam vencê-lo. Chamou em voz alta o comando “mute”e o carro silenciou. Acionou o bluetooth e empunhou o teclado. Discou. Tremeu diante da profética afirmação anasalada:

— Você é muito importante para nós. Sua previsão de atendimento é de — pausa — 60 minutos.

Felizmente, precisava fazer supermercado. Subiu ao apartamento e sentou-se em sua cadeira reclinável em frente ao micro. Entrou no site e encheu o carrinho com os produtos habituais. Ainda aproveitou uma oferta para compradores online e levou três xampús pelo preço de dois.

Arrepiou-se até o fim da espinha quando alguém atendeu:

— Olá, olá!
— Boa noite, sou Rafael, Informe o número do telefone com DDD.
— 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Ahã.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Quero informar um erro na cobrança.
— Pois não, senhor. Um minuto que vou estar verificando para o senhor. Por gentileza, confirme o número do seu CPF.
— 00010126077
— Confirmado, senhor. Por gentileza, confirme o endereço de entrega da fatura, senhor?
— Rua do Arvoredo, se-ten-ta-e-se-te. A-par-ta-men-to-do-ze. Por-to A-le-gre
— Confirmado, senhor. Um minuto que estarei verificando no sistema, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Pois não, senhor, qual é o problema?
— Houve um erro de cobrança. Pago internet ilimitada e neste mês vieram cobrados minutos extras.
— Perfeitamente, senhor. Um minuto que vou estar verificando pro senhor.
— ...

— Obrigado por aguardar, senhor. Infelizmente, senhor, o senhor precisa verificar junto com o setor de Conexão com a Internet, senhor. Um minuto que vou transferir a ligação.
— Não, não, espera, eu...

Mas o áudio havia retornado e Rodrigo aguentou no osso. Roeu as unhas, é verdade, mas ficou lá. Eles não iam vencer assim.


Foi atendido. Passava da meia-noite. Não tinha mais nenhum humor. Rodrigo tinha se tornado eletrônico.

— Alô.
— Boa noite, sou Cristóvão, Informe o número do telefone com DDD.
— 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Ok, gravando.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Quero informar um erro na cobrança da internet do meu smartphone.
— Pois não, senhor. Um minuto que vou estar verificando para o senhor. Por gentileza, confirme o número do seu CPF.
— 00010126077
— Confirmado, senhor. Por gentileza, confirme o endereço de entrega da fatura, senhor?
— Rua do Ar-vo-re-do-se-ten-ta-e-se-te. A-par-ta-men-to-do-ze. Por-to A-le-gre.
— Confirmado, senhor. Um minuto que estarei verificando no sistema, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Pois não, senhor, qual é o problema?
— Houve um erro de cobrança. Pago internet ilimitada e neste mês vieram cobrados minutos extras.
— Perfeitamente, senhor. Um minuto que vou estar verificando pro senhor.

— Obrigado por ter aguardado, senhor Rodrigo. De fato, verifiquei que houve uma mudança na assinatura de plano. Vou estar atualizando isso para o senhor agora mesmo.
— Puxa! É mesmo?
— Sim, senhor. Um minuto por favor.

— Obrigado por ter aguardado, senhor. Confirmando, o senhor quer internet ilimitada, senhor?
— Sim! Sim! Já era ilimitada, não entendo...
— Perfeitamente, senhor. Estou atualizando sua assinatura. Um minuto mais, por favor.

— Pronto senhor. Vou registrar sua queixa sobre a cobrança indevida, senhor.

— Pronto senhor. Por favor, anote o número do protocolo.
— Pode dizer.
— 1002.120.12.2011
— Certo.
— O senhor pode repetir, por favor?
— 1002.120.12.2011
— Confirmado, senhor. Obrigado por utilizar nossos serviços e por favor, avalie meu atendimento após o sinal.
— Obrigado! Obrigado!
— A companhia agradece, senhor. Uma boa noite.

Rodrigo estava morto, mas achou que Cristóvão merecia a avaliação, afinal, tinha sido o único capaz de ajudar com seu problema. Discou o nove como nota de zero a dez. Descansou em paz.

Acordou com olheiras e preparado para esquecer o ocorrido. Mas a alegria respirou apenas até o final do mês, quando a nova conta chegou com o mesmo defeito da anterior.

Rodrigo encarou a conta dois dias antes de tomar coragem de chamar a central. Adotou a tática de estar em casa e fazer supermercado na internet, tinha dado sorte na última vez. E já era hora de novas compras.

Quando a gravação de abertura iniciou, discou o oito. Foi radical. Direto para um atendente.

— Você é muito importante para nós. Sua previsão de atendimento é de — pausa — 40 minutos.

Uau! Pensou. Só quarenta? Beleza. Encheu o carrinho virtual e pagou no cartão. Foi atendido.

— Olá, olá!
— Boa noite, sou Rafael, Informe o número do telefone com DDD.
— 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Blá-blá-blá.
— Desculpe, senhor?
— Blá-blá, gravando, ok.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Eu quero um endereço, ouviu? Um endereço!
— Desculpe, senhor?
— Eu quero ir até um lugar para falar com vocês. Eu quero um endereço!
— Pois não, senhor. Um minuto que estarei verificando qual é o posto de atendimento mais próximo, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Infelizmente o posto de atendimento mais próximo fica em Curitiba, senhor. Ou São Paulo.
— Foda-se! Me dá essa merda de endereço que eu vou até lá!
— Perfeitamente, senhor. Curitiba ou São Paulo, senhor?
— São Paulo! Puta-que-pariu.
— Pois não, senhor, fica no centro, na rua Votuporanga, número 1001. Andar térreo.
— Ah, sim, obrigada.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Não.
— Por favor, anote o número do protocolo.
— Vai tomar no cu.

E desligou. Feliz. Soberbo. Babando. Direto ao micro. Site de passagens. Primeiro voo. Que se fodam na empresa. Arranjo atestado, pago horas no banco de horas. Que se foda!

Partiu às 5h da madrugada. Pousou na terra da garoa onde não estava chovendo. Agarrou um táxi tremendo de paixão:

— Votuporanga, 1001.
— Sim, senhor.

E se manteve em silêncio durante todo o trajeto. Desembarcou na frente de um prédio de esquina largo como o riso do coringa. Tinha o logotipo dos desgraçados.

Eles iam ver só.

Marchou pela grande porta de vidro. Então chorou diante de vinte e cinco estações de atendimento. Cada uma com seu telefonezinho vermelho para discagem direta.

Alô, alô, marciano.



Rodrigo era um homem moderno. Moderno, não: pós-contemporâneo. Tinha um telefone mais avançado que o outro, computadores portáteis, carro com comandos vocais, videogames ramificados pela internet — disputava jogos com um turco e um norteamericano. Seu apartamento abria através de leitura digital, seu ar condicionado era acionado por um telefonema. Até mesmo a hidromassagem poderia esperá-lo pronta para às 20h.

Pela manhã, acordava com o despertador que tocava randomicamente seus DJs preferidos de progressive; a escova elétrica e o barbeador wireless aprumavam a higiene. Secava-se com toalhas quentes do aparato caloroso onde as pendurava. O café esperava passado às 7h e 15min, junto com o pãozinho da máquina de pães. No elevador, lia as notícias automáticas do teleprompter na tela plana.

Rodrigo orgulhava-se da própria praticidade e conexão com a velocidade nova do mundo. E, principalmente, satisfazia-se ao dispensar a comunicação direta entre pessoas. Detestava o “pessoal”.

Quando a conta de um dos telefones veio errada (pagava internet ilimitada e, naquele mês, cobraram minutos extras), não se abalou. Antes, sorriu.

Acessou o site apontado pelo Google, catou a área para assistência online, um chat ou assemelhados. Não encontrou mais que um “fale conosco”. Enviou um email simples especificando o assunto.

No outro dia, constatou que seu pedido não recebera nem mesmo uma resposta automática. Decidiu chamar a discagem gratuita para informar a ocorrência:

— Para compras, disque 1; para bloqueio e desbloqueio de aparelhos, disque 2; para informar mudança de dados cadastrais, disque 3; para informações referentes a sua conta telefônica, disque 4... — informou a gravação.

Apressou-se ao último algarismo citado, sorrindo de estar sua situação prevista pelo programador. A transferência da chamada acompanhava o áudio que agradecia a ligação e afirmava:

— Você é muito importante para nós. Sua previsão de atendimento é de — pausa — 40 minutos.

— Ora — pensou — quarenta minutos é demais, agora não dá. Tento mais tarde.

Assim o fez: no almoço, quando informaram uma previsão de 53 minutos; depois, no meio da tarde: 78 minutos; e ao entardecer: 91 minutos; e de dentro da hidromassagem, às 20h: 50 minutos. Uma vez que estivesse na jacuzzi, deixou em viva-voz e aguardou.

A voz gravada repetiu várias vezes a importância dele para a companhia e foi decrescendo a contagem do tempo até que uma moça atendeu. Rodrigo, com os dedos totalmente enrugados, mal conseguiu trazer a chamada de volta ao fone:

— Olá!
— Boa noite, sou Cilene, Informe o número do telefone com DDD.
— Ah, sim, pois não, 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Ok.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Quero informar um erro na cobrança.
— Pois não, senhor. Um minuto que vou estar verificando para o senhor. Por gentileza, confirme o número do seu CPF.
— 00010126077
— Confirmado, senhor. Por gentileza, confirme o endereço de entrega da fatura, senhor?
— Rua do Arvoredo, 77. Apartamento 12. Porto Alegre.
— Confirmado, senhor. Um minuto que estarei verificando no sistema, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Desculpe senhor, sua conta é pessoa física, senhor, o senhor apertou cobrança de pessoa jurídica, senhor.
— Não, não, eu apertei o quatro.
— Estranho, senhor, me desculpe, senhor, vou transferir sua ligação. Aguarde na linha,
— Não, não, espera, eu...

Mas o áudio familiar voltou à tona e Rodrigo desligou. Estava murcho e exausto. Ergueu sua carcaça combalida e arrastou os destroços para fora do naufrágio de espuma.

Respirou fundo e foi dormir. Amanhã tentaria outra vez.

Acordou feliz em sua rotina repleta de gadgets. Enquanto zunia a escova na boca, teve a brilhante ideia de pedir para a secretária do escritório resolver esse problema:

— Ótimo! — exclamou feliz para o espelho.

Ao final do dia, a moça de ar triste e exaurido veio informar que, infelizmente, não poderia fazer a reclamação no lugar dele: era exigido que o fizesse o titular da conta.

No trajeto para casa, Rodrigo cogitou a desistência. A soma não era tão significativa para tanto esforço. Mas aí, uma tendência até então oculta à guerrilha, um estado guevarístico injetou-lhe os olhos:

— Não — disse encarando o retrovisor.

Não iria desistir. Não iriam vencê-lo. Chamou em voz alta o comando “mute”e o carro silenciou. Acionou o bluetooth e empunhou o teclado. Discou. Tremeu diante da profética afirmação anasalada:

— Você é muito importante para nós. Sua previsão de atendimento é de — pausa — 60 minutos.

Felizmente, precisava fazer supermercado. Subiu ao apartamento e sentou-se em sua cadeira reclinável em frente ao micro. Entrou no site e encheu o carrinho com os produtos habituais. Ainda aproveitou uma oferta para compradores online e levou três xampús pelo preço de dois.

Arrepiou-se até o fim da espinha quando alguém atendeu:

— Olá, olá!
— Boa noite, sou Rafael, Informe o número do telefone com DDD.
— 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Ahã.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Quero informar um erro na cobrança.
— Pois não, senhor. Um minuto que vou estar verificando para o senhor. Por gentileza, confirme o número do seu CPF.
— 00010126077
— Confirmado, senhor. Por gentileza, confirme o endereço de entrega da fatura, senhor?
— Rua do Arvoredo, se-ten-ta-e-se-te. A-par-ta-men-to-do-ze. Por-to A-le-gre
— Confirmado, senhor. Um minuto que estarei verificando no sistema, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Pois não, senhor, qual é o problema?
— Houve um erro de cobrança. Pago internet ilimitada e neste mês vieram cobrados minutos extras.
— Perfeitamente, senhor. Um minuto que vou estar verificando pro senhor.
— ...

— Obrigado por aguardar, senhor. Infelizmente, senhor, o senhor precisa verificar junto com o setor de Conexão com a Internet, senhor. Um minuto que vou transferir a ligação.
— Não, não, espera, eu...

Mas o áudio havia retornado e Rodrigo aguentou no osso. Roeu as unhas, é verdade, mas ficou lá. Eles não iam vencer assim.


Foi atendido. Passava da meia-noite. Não tinha mais nenhum humor. Rodrigo tinha se tornado eletrônico.

— Alô.
— Boa noite, sou Cristóvão, Informe o número do telefone com DDD.
— 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Ok, gravando.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Quero informar um erro na cobrança da internet do meu smartphone.
— Pois não, senhor. Um minuto que vou estar verificando para o senhor. Por gentileza, confirme o número do seu CPF.
— 00010126077
— Confirmado, senhor. Por gentileza, confirme o endereço de entrega da fatura, senhor?
— Rua do Ar-vo-re-do-se-ten-ta-e-se-te. A-par-ta-men-to-do-ze. Por-to A-le-gre.
— Confirmado, senhor. Um minuto que estarei verificando no sistema, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Pois não, senhor, qual é o problema?
— Houve um erro de cobrança. Pago internet ilimitada e neste mês vieram cobrados minutos extras.
— Perfeitamente, senhor. Um minuto que vou estar verificando pro senhor.

— Obrigado por ter aguardado, senhor Rodrigo. De fato, verifiquei que houve uma mudança na assinatura de plano. Vou estar atualizando isso para o senhor agora mesmo.
— Puxa! É mesmo?
— Sim, senhor. Um minuto por favor.

— Obrigado por ter aguardado, senhor. Confirmando, o senhor quer internet ilimitada, senhor?
— Sim! Sim! Já era ilimitada, não entendo...
— Perfeitamente, senhor. Estou atualizando sua assinatura. Um minuto mais, por favor.

— Pronto senhor. Vou registrar sua queixa sobre a cobrança indevida, senhor.

— Pronto senhor. Por favor, anote o número do protocolo.
— Pode dizer.
— 1002.120.12.2011
— Certo.
— O senhor pode repetir, por favor?
— 1002.120.12.2011
— Confirmado, senhor. Obrigado por utilizar nossos serviços e por favor, avalie meu atendimento após o sinal.
— Obrigado! Obrigado!
— A companhia agradece, senhor. Uma boa noite.

Rodrigo estava morto, mas achou que Cristóvão merecia a avaliação, afinal, tinha sido o único capaz de ajudar com seu problema. Discou o nove como nota de zero a dez. Descansou em paz.

Acordou com olheiras e preparado para esquecer o ocorrido. Mas a alegria respirou apenas até o final do mês, quando a nova conta chegou com o mesmo defeito da anterior.

Rodrigo encarou a conta dois dias antes de tomar coragem de chamar a central. Adotou a tática de estar em casa e fazer supermercado na internet, tinha dado sorte na última vez. E já era hora de novas compras.

Quando a gravação de abertura iniciou, discou o oito. Foi radical. Direto para um atendente.

— Você é muito importante para nós. Sua previsão de atendimento é de — pausa — 40 minutos.

Uau! Pensou. Só quarenta? Beleza. Encheu o carrinho virtual e pagou no cartão. Foi atendido.

— Olá, olá!
— Boa noite, sou Rafael, Informe o número do telefone com DDD.
— 5199989675.
— Com quem eu falo, por gentileza?
— Rodrigo Alcenaro.
— Informamos que a ligação está sendo gravada, senhor Rodrigo.
— Blá-blá-blá.
— Desculpe, senhor?
— Blá-blá, gravando, ok.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
— Eu quero um endereço, ouviu? Um endereço!
— Desculpe, senhor?
— Eu quero ir até um lugar para falar com vocês. Eu quero um endereço!
— Pois não, senhor. Um minuto que estarei verificando qual é o posto de atendimento mais próximo, senhor.

— Obrigado por aguardar, senhor. Infelizmente o posto de atendimento mais próximo fica em Curitiba, senhor. Ou São Paulo.
— Foda-se! Me dá essa merda de endereço que eu vou até lá!
— Perfeitamente, senhor. Curitiba ou São Paulo, senhor?
— São Paulo! Puta-que-pariu.
— Pois não, senhor, fica no centro, na rua Votuporanga, número 1001. Andar térreo.
— Ah, sim, obrigada.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Não.
— Por favor, anote o número do protocolo.
— Vai tomar no cu.

E desligou. Feliz. Soberbo. Babando. Direto ao micro. Site de passagens. Primeiro voo. Que se fodam na empresa. Arranjo atestado, pago horas no banco de horas. Que se foda!

Partiu às 5h da madrugada. Pousou na terra da garoa onde não estava chovendo. Agarrou um táxi tremendo de paixão:

— Votuporanga, 1001.
— Sim, senhor.

E se manteve em silêncio durante todo o trajeto. Desembarcou na frente de um prédio de esquina largo como o riso do coringa. Tinha o logotipo dos desgraçados.

Eles iam ver só.

Marchou pela grande porta de vidro. Então chorou diante de vinte e cinco estações de atendimento. Cada uma com seu telefonezinho vermelho para discagem direta.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

CVExplica o #BEIJO

Ele envolve saliva e membranas mucosas podendo conter até mesmo resíduos de alimentos.

Especialistas estimam que centenas ou até mesmo milhões de bactérias são transportadas de uma boca para outra durante um beijo.

Os médicos também já vinculam o beijo à disseminação de doenças como meningite, herpes e mononucleose.

Ainda assim, antropólogos afirmam que 90% das pessoas no mundo beijam.




OUÇA aqui o Podcast:


CVExplica [+ou- 21h], quintas, na Rádio Elétrica
participe ao vivo no msn/email cvexplica@hotmail.com
add Skype CVExplica

Confere o Playlist "Primeiro Beijo" (esquisito e duvidoso, mas interessante)


Um Beijo 2:53 Luan Santana
Last Kiss 3:00 Pearl Jam
The Couple's First Kiss 1:29 of Montreal The Bedside Drama: A Petite Tragedy
The Perfect Kiss 4:26 New Order Total
FRENCH KISS 4:55 LIL LOUIS
SEALED WITH A KISS 2:33 JASON DONOVAN
IT STARTED WITH A KISS 4:04 HOT CHOCOLATE
Kiss Is on My List 3:55 Hall & Oates
Love and Kisses 3:20 Ella Fitzgerald The Essential Ella Fitzgerald
EVERY LITTLE KISS 5:51 BRUCE HORNSBY
Steal My Kisses 4:05 Ben Harper
NA NA HEY HEY (KISS HIM GOODBYE) 3:26 BANANARAMA
KISS 3:47 PRINCE
Sober and Unkissed 4:01 Sia Healing Is Difficult
The Pleasure Song 4:16 Marianne Faithfull Kissin' Time
Beijo doce 4:05 Pixote
Beija Eu 3:13 Marisa Monte
Ei, Psiu! Beijo me liga 2:42 Michel Teló part João Bosco e Vinícius
Electric Kiss 2:34 Lady GaGa - Stefani Germanotta

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Quase Perfeito [10/02]

Problemas na relação? A resposta a um dilema amoroso pode estar em nosso programa Quase Perfeito na Rádio Gaúcha. O consultório sentimental rolou na madrugada de quinta (9/2). Acompanhe toda nossa conversa na íntegra.

http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/PlayerEmbed.aspx?uf=nic1&midia=238926&channel=231
www.clicrbs.com.br

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

#LITERATURA no CVExplica

A pergunta existencial que não cala:
— Por que a literatura muda nossa vida?


Hoje, estreia Eduardo Nasi com as dicas de Sampa;
também teremos o querido Tarso Fortes, direto de Florianópolis.

CVExplica desde a Palavraria Livraria e Café, com Luiz Ruffato


CVExplica especial #LITERATURA


Ouça aqui o CVExplica com Luiz Ruffato — direto da Palavraria:
Parte 1: http://radioeletrica.com/mini/player-mini.php?codigo=183
Parte 2: http://radioeletrica.com/mini/player-mini.php?codigo=184

Acompanhe na http://www.radioeletrica.com/

CVExplica [+ou- 21h], quintas, na Rádio Elétrica
participe ao vivo no msn/email cvexplica@hotmail.com
add Skype CVExplica
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Confere o Playlist - temas baseados na literatura:


Livros 4:47 Caetano Veloso
SOBRE AS FOLHAS (ou O Barão Nas Árvores) 2:44 Cordel Encantado
Wuthering Heights 3:45 Kate Bush
The Lord of the Rings 3:55 Blind Guardian
Monte Castelo 3:57 Legião Urbana
Pet Sematary 3:24 Ramones
The Ballad of Bilbo Baggins 0:41 Leonard Nimoy Dr. Demento's 30th Anniversary Collection
The Sensual World 3:53 Kate Bush

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Polêmica - 06.02.2012

Polêmica - com Lauro Quadros
O melhor é medicar e, depois, tentar resolver ou tentar resolver, e, se for o caso, medicar?

Medicar e, depois, tentar resolver - 22%
Tentar resolver, e, se for o caso, medicar - 78%

Os Polemistas da manhã

Confira aqui a participação de Cínthya Verri, Rogério Aguiar e Marcello Blaya no programa Polêmica de ontem, com Lauro Quadros na mediação.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

#CVExplica a Interpretação de Sonhos

Os sonhos saem de onde? São feitos de quê? O que significam? Existe Hipnose?
Isso e muito mais no CVEXplica de hoje.








Saiba isso e muito mais com o CVExplica e com o convidado de hoje 
Odon Frederico Cavalcanti Carneiro Monteiro

CVExplica [+ou- 21h], quintas, na Rádio Elétrica
participe ao vivo no msn/email cvexplica@hotmail.com
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