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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Conversa de Homem [Saiu na Cultura, Zero Hora, 31/12/2010 e 01/01/11]

POR CÍNTHYA VERRI
MÉDICA E PSICOTERAPEUTA




Francisco Bosco questiona qual o limite para a renúncia 
e o sacrifício no amor em “E Livre Seja Este Infortúnio”


Homem não será confessional para falar de amor, logo se municia de teorias psicanalíticas, semiologia e Foucault. Francisco Bosco brinca com a atitude e chama a si mesmo para uma conversa de homem. Não sabemos ao certo o que motivou seu novo livro, E Livre Seja Este Infortúnio, a não ser que foi inspirado em um verso de Rimbaud.


Ele trata da metamorfose de amor, que Ovídio já cantou. A mutação mais radical da personalidade. Uma espécie de suicídio de temperamento. Todo sujeito negado por uma mulher foi Werther. Todo apaixonado trocou seus ideais e amigos para contentar pedidos de alcova.


Francisco estuda a renúncia e o sacrifício afetivos feitos por uma relação. Qual é o limite? É senso comum aplaudirmos a independência, a manutenção da individualidade – encaramos quem não cede a quem ama como um vencedor, alguém maduro, capaz de se preservar. Bosco, na contramão, aponta que a paixão é o momento propício para enfrentar o pai e a mãe e descobrir do que somos feitos – esse poço infindável de teimosia. A paralisia pode significar apenas o medo ou a preguiça de se reinventar. Toda invenção começa com a intervenção.


A paixão é um eterno despojar-se: negociar o que pode ser dado até que reste somente o necessário. O autor desvenda que somente através de uma experiência imponente seremos capazes de abandonar o ritornelo. A partir do choque térmico do real, daquilo que não imaginávamos antes, é que aceitamos a condição sincera e útil do apequenamento. Ou seja, não somos tão bons assim a ponto de nos conservarmos intactos.


Com uma sinceridade ultrajante, usa a psicanálise para se entender, nunca para se conformar. Dá alta para sua analista e explica que terapia não é tratamento, mas um percurso intelectual. O cabra anuncia que a vivência da paixão representa um aniquilamento sedutor: aproveitar a desagregação para ser mais real rompendo o ciclo de repetições. Para chorar, nada mais estimulante do que uma cebola: “O eu é estruturado como uma cebola. O que significa isso? Significa que o eu é formado de uma série sucessiva de identificações. Se despirmos uma a uma essas identificações, como quem descasca uma cebola, não restará nada”.


Talvez seja indicado seguir o conselho de Brás Cubas: melhor cair das nuvens do que do terceiro andar (que o diga Arnaldo, o ex-lóki mutante, após voo suicida pela janela). Bosco detalha como o desejo insano proporcionado pela paixão é o mesmo que investir todo o dinheiro da sua vida em uma única ação, em suma, absoluta sandice. Logicamente, quando toda a nossa vida depende de uma única pessoa e sua opinião, iremos acatar como nunca julgamos possível. Seria como ouvir um comando divino direto no teledeus. Queremos agradar ao ser amado. Mais que isso: precisamos agradar ao nosso objeto de amor, dependemos de seu desejo. Claro que não é uma equação direta, há todo um Almodóvar para nos explicar.


Quando amamos, ao mesmo tempo, gostaríamos de deixar de amar. Afinal, é a fonte central de sofrimento e dependência. Queremos destruir a paixão. Por isso ela é tão violenta. Isso passa muitas vezes ao largo do que pressupomos. Preferimos acreditar que somos corajosos e entregues ao amor verdadeiro. Mentira. Procuramos quem nos confirma a identidade. Desdenhamos quem nos descobre a identidade. Identidade é apenas uma idealização.


Já Francisco tem várias: Francisco de Castro Mucci, 34 anos, libriano com um escorpião tatuado, é mengo fanático, ensaísta talentoso, doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, letrista, colunista do jornal O Globo e filho de João Bosco. Não nessa ordem, afinal, colou o sobrenome do pai e saiu-se à edição de seu primeiro livro. Batizou-se, nas artes, Francisco Bosco.


Ele se armou de conceitos e chegou para se matar em autoduelo de faroeste: “Na minha vida há um fosso entre o que fui e o que me tornei”. Atacou de botânico, de Woody Allen, de Shane, de Charles Bronson, de Borges, Nietzsche. Acerta um cruzado de Lacan e um jab de Sigmund Freud. A gente se rende antes do terceiro assalto. Nem queremos chorar o leite derramado de Chico Buarque. É paixão à primeira leitura.


Escorrega, no entanto, no epílogo, afinal, não é santo: chama o acaso de imperfeição do real. Ora, o acaso justamente sequer é acessível ao homem. Só a natureza tem acesso à perfeição. Só a natureza é capaz de gerar o acaso. Nós mal conseguimos sortear a loteria e, ainda assim, porque inventamos uma indulgenciazinha. O acaso é tudo. Sorte grande a de quem abre os braços e se enlaça com o imprevisto. Pobre de quem não entendeu que desejamos, sim, controlar. Apenas não conseguimos.



E LIVRE SEJA ESTE INFORTÚNIO
FRANCISCO BOSCO
AZOUGUE EDITORIAL
R$38,00




Jornal Zero Hora, caderno Cultura, p. 2, Sobre o Amor.
31/12/2010 e 01/01/2011 | N° 16566


Conversa de Homem [Saiu na Cultura, Zero Hora, 31/12/2010 e 01/01/11]

POR CÍNTHYA VERRI
MÉDICA E PSICOTERAPEUTA




Francisco Bosco questiona qual o limite para a renúncia 
e o sacrifício no amor em “E Livre Seja Este Infortúnio”


Homem não será confessional para falar de amor, logo se municia de teorias psicanalíticas, semiologia e Foucault. Francisco Bosco brinca com a atitude e chama a si mesmo para uma conversa de homem. Não sabemos ao certo o que motivou seu novo livro, E Livre Seja Este Infortúnio, a não ser que foi inspirado em um verso de Rimbaud.


Ele trata da metamorfose de amor, que Ovídio já cantou. A mutação mais radical da personalidade. Uma espécie de suicídio de temperamento. Todo sujeito negado por uma mulher foi Werther. Todo apaixonado trocou seus ideais e amigos para contentar pedidos de alcova.


Francisco estuda a renúncia e o sacrifício afetivos feitos por uma relação. Qual é o limite? É senso comum aplaudirmos a independência, a manutenção da individualidade – encaramos quem não cede a quem ama como um vencedor, alguém maduro, capaz de se preservar. Bosco, na contramão, aponta que a paixão é o momento propício para enfrentar o pai e a mãe e descobrir do que somos feitos – esse poço infindável de teimosia. A paralisia pode significar apenas o medo ou a preguiça de se reinventar. Toda invenção começa com a intervenção.


A paixão é um eterno despojar-se: negociar o que pode ser dado até que reste somente o necessário. O autor desvenda que somente através de uma experiência imponente seremos capazes de abandonar o ritornelo. A partir do choque térmico do real, daquilo que não imaginávamos antes, é que aceitamos a condição sincera e útil do apequenamento. Ou seja, não somos tão bons assim a ponto de nos conservarmos intactos.


Com uma sinceridade ultrajante, usa a psicanálise para se entender, nunca para se conformar. Dá alta para sua analista e explica que terapia não é tratamento, mas um percurso intelectual. O cabra anuncia que a vivência da paixão representa um aniquilamento sedutor: aproveitar a desagregação para ser mais real rompendo o ciclo de repetições. Para chorar, nada mais estimulante do que uma cebola: “O eu é estruturado como uma cebola. O que significa isso? Significa que o eu é formado de uma série sucessiva de identificações. Se despirmos uma a uma essas identificações, como quem descasca uma cebola, não restará nada”.


Talvez seja indicado seguir o conselho de Brás Cubas: melhor cair das nuvens do que do terceiro andar (que o diga Arnaldo, o ex-lóki mutante, após voo suicida pela janela). Bosco detalha como o desejo insano proporcionado pela paixão é o mesmo que investir todo o dinheiro da sua vida em uma única ação, em suma, absoluta sandice. Logicamente, quando toda a nossa vida depende de uma única pessoa e sua opinião, iremos acatar como nunca julgamos possível. Seria como ouvir um comando divino direto no teledeus. Queremos agradar ao ser amado. Mais que isso: precisamos agradar ao nosso objeto de amor, dependemos de seu desejo. Claro que não é uma equação direta, há todo um Almodóvar para nos explicar.


Quando amamos, ao mesmo tempo, gostaríamos de deixar de amar. Afinal, é a fonte central de sofrimento e dependência. Queremos destruir a paixão. Por isso ela é tão violenta. Isso passa muitas vezes ao largo do que pressupomos. Preferimos acreditar que somos corajosos e entregues ao amor verdadeiro. Mentira. Procuramos quem nos confirma a identidade. Desdenhamos quem nos descobre a identidade. Identidade é apenas uma idealização.


Já Francisco tem várias: Francisco de Castro Mucci, 34 anos, libriano com um escorpião tatuado, é mengo fanático, ensaísta talentoso, doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, letrista, colunista do jornal O Globo e filho de João Bosco. Não nessa ordem, afinal, colou o sobrenome do pai e saiu-se à edição de seu primeiro livro. Batizou-se, nas artes, Francisco Bosco.


Ele se armou de conceitos e chegou para se matar em autoduelo de faroeste: “Na minha vida há um fosso entre o que fui e o que me tornei”. Atacou de botânico, de Woody Allen, de Shane, de Charles Bronson, de Borges, Nietzsche. Acerta um cruzado de Lacan e um jab de Sigmund Freud. A gente se rende antes do terceiro assalto. Nem queremos chorar o leite derramado de Chico Buarque. É paixão à primeira leitura.


Escorrega, no entanto, no epílogo, afinal, não é santo: chama o acaso de imperfeição do real. Ora, o acaso justamente sequer é acessível ao homem. Só a natureza tem acesso à perfeição. Só a natureza é capaz de gerar o acaso. Nós mal conseguimos sortear a loteria e, ainda assim, porque inventamos uma indulgenciazinha. O acaso é tudo. Sorte grande a de quem abre os braços e se enlaça com o imprevisto. Pobre de quem não entendeu que desejamos, sim, controlar. Apenas não conseguimos.



E LIVRE SEJA ESTE INFORTÚNIO
FRANCISCO BOSCO
AZOUGUE EDITORIAL
R$38,00




Jornal Zero Hora, caderno Cultura, p. 2, Sobre o Amor.
31/12/2010 e 01/01/2011 | N° 16566


Conversa de Homem [Saiu na Cultura, Zero Hora, 31/12/2010 e 01/01/11]

POR CÍNTHYA VERRI
MÉDICA E PSICOTERAPEUTA




Francisco Bosco questiona qual o limite para a renúncia 
e o sacrifício no amor em “E Livre Seja Este Infortúnio”


Homem não será confessional para falar de amor, logo se municia de teorias psicanalíticas, semiologia e Foucault. Francisco Bosco brinca com a atitude e chama a si mesmo para uma conversa de homem. Não sabemos ao certo o que motivou seu novo livro, E Livre Seja Este Infortúnio, a não ser que foi inspirado em um verso de Rimbaud.


Ele trata da metamorfose de amor, que Ovídio já cantou. A mutação mais radical da personalidade. Uma espécie de suicídio de temperamento. Todo sujeito negado por uma mulher foi Werther. Todo apaixonado trocou seus ideais e amigos para contentar pedidos de alcova.


Francisco estuda a renúncia e o sacrifício afetivos feitos por uma relação. Qual é o limite? É senso comum aplaudirmos a independência, a manutenção da individualidade – encaramos quem não cede a quem ama como um vencedor, alguém maduro, capaz de se preservar. Bosco, na contramão, aponta que a paixão é o momento propício para enfrentar o pai e a mãe e descobrir do que somos feitos – esse poço infindável de teimosia. A paralisia pode significar apenas o medo ou a preguiça de se reinventar. Toda invenção começa com a intervenção.


A paixão é um eterno despojar-se: negociar o que pode ser dado até que reste somente o necessário. O autor desvenda que somente através de uma experiência imponente seremos capazes de abandonar o ritornelo. A partir do choque térmico do real, daquilo que não imaginávamos antes, é que aceitamos a condição sincera e útil do apequenamento. Ou seja, não somos tão bons assim a ponto de nos conservarmos intactos.


Com uma sinceridade ultrajante, usa a psicanálise para se entender, nunca para se conformar. Dá alta para sua analista e explica que terapia não é tratamento, mas um percurso intelectual. O cabra anuncia que a vivência da paixão representa um aniquilamento sedutor: aproveitar a desagregação para ser mais real rompendo o ciclo de repetições. Para chorar, nada mais estimulante do que uma cebola: “O eu é estruturado como uma cebola. O que significa isso? Significa que o eu é formado de uma série sucessiva de identificações. Se despirmos uma a uma essas identificações, como quem descasca uma cebola, não restará nada”.


Talvez seja indicado seguir o conselho de Brás Cubas: melhor cair das nuvens do que do terceiro andar (que o diga Arnaldo, o ex-lóki mutante, após voo suicida pela janela). Bosco detalha como o desejo insano proporcionado pela paixão é o mesmo que investir todo o dinheiro da sua vida em uma única ação, em suma, absoluta sandice. Logicamente, quando toda a nossa vida depende de uma única pessoa e sua opinião, iremos acatar como nunca julgamos possível. Seria como ouvir um comando divino direto no teledeus. Queremos agradar ao ser amado. Mais que isso: precisamos agradar ao nosso objeto de amor, dependemos de seu desejo. Claro que não é uma equação direta, há todo um Almodóvar para nos explicar.


Quando amamos, ao mesmo tempo, gostaríamos de deixar de amar. Afinal, é a fonte central de sofrimento e dependência. Queremos destruir a paixão. Por isso ela é tão violenta. Isso passa muitas vezes ao largo do que pressupomos. Preferimos acreditar que somos corajosos e entregues ao amor verdadeiro. Mentira. Procuramos quem nos confirma a identidade. Desdenhamos quem nos descobre a identidade. Identidade é apenas uma idealização.


Já Francisco tem várias: Francisco de Castro Mucci, 34 anos, libriano com um escorpião tatuado, é mengo fanático, ensaísta talentoso, doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, letrista, colunista do jornal O Globo e filho de João Bosco. Não nessa ordem, afinal, colou o sobrenome do pai e saiu-se à edição de seu primeiro livro. Batizou-se, nas artes, Francisco Bosco.


Ele se armou de conceitos e chegou para se matar em autoduelo de faroeste: “Na minha vida há um fosso entre o que fui e o que me tornei”. Atacou de botânico, de Woody Allen, de Shane, de Charles Bronson, de Borges, Nietzsche. Acerta um cruzado de Lacan e um jab de Sigmund Freud. A gente se rende antes do terceiro assalto. Nem queremos chorar o leite derramado de Chico Buarque. É paixão à primeira leitura.


Escorrega, no entanto, no epílogo, afinal, não é santo: chama o acaso de imperfeição do real. Ora, o acaso justamente sequer é acessível ao homem. Só a natureza tem acesso à perfeição. Só a natureza é capaz de gerar o acaso. Nós mal conseguimos sortear a loteria e, ainda assim, porque inventamos uma indulgenciazinha. O acaso é tudo. Sorte grande a de quem abre os braços e se enlaça com o imprevisto. Pobre de quem não entendeu que desejamos, sim, controlar. Apenas não conseguimos.



E LIVRE SEJA ESTE INFORTÚNIO
FRANCISCO BOSCO
AZOUGUE EDITORIAL
R$38,00




Jornal Zero Hora, caderno Cultura, p. 2, Sobre o Amor.
31/12/2010 e 01/01/2011 | N° 16566


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Fernanda Seelig

Porque ela é maravilhosa,
@fernandaseelig



Eu Vi Bichos 2010


Comemorando mais um ano de http://euvibichos.blogspot.com
Para Vicente Carpinejar

Deus e o Diabo na Terra [Crônica Falada]


Raphael Vicenzi at his own http://www.mydeadpony.com/


Estávamos no balcão comendo uma carninha, de frente para a grelha. Ambiente mais que apropriado para uma conversa informal. Quando distraídos, esquecemos de mentir.

- Mas é claro que eu rezo!

- Sério? Você reza mesmo, de verdade?

- Sim! Eu me benzo antes de dirigir, faço oração antes de dormir...

- E o que você reza?

- Peço a Deus pra proteger você, meus filhos, cuidar enquanto estou fora, por exemplo, se estiver viajando, dar saúde, paz. Essas coisas.

- Ih, só falta benzer o cigarro.

Ok. Eu sabia que Fabrício era religioso, mas de alguma forma, duvidava que ele realmente acreditasse no poder da prece.

Não é que eu seja contra religião, quer dizer, eu tenho certo receio com religiosos, em geral são pessoas preconceituosas e moralistas que se disfarçam de santos para melhor julgar seu semelhante.

Enfim, como eu ia dizendo, não sou exatamente contra quem reza pedindo: eu não gosto é de quem se isenta ao pedir. Explico: quem reza pra Deus proteger o carro, anda com adesivo de Jesus, mas bebe e não passa a chave adiante.

Não gosto de quem ora implorando proteção aos filhos e nem conversa com eles, não sabe de seus amigos, não conhece seus gostos, não chega perto para ver, não abre os próprios medos e exige que o filho confesse os seus.

Não tolero quem se benze pedindo saúde e come qualquer porcaria, não faz nem uma caminhadinha matinal, toma leite integral e remédio para baixar o colesterol. Não aguento.

Não simpatizo com quem ajoelha no rosário pedindo pela união da família e insiste em fofocar e maldizer a esposa do fulano, a conduta da beltrana: jura que sabe mais que todo mundo. Só não sabe conviver.

Não guardo estima por quem faz promessa pra emagrecer comendo pizza à noite; quem aplica mandinga pelo amor de alguém que partiu ao invés de virar a página e cuidar da própria vida.

Desconsidero aquele que despacha para Deus a tarefa de guardar seu corpo, seu dinheiro ou sua alma. Viver bem depende exclusivamente da própria autoria.

Avisei o Fabrício que os padres poderiam processá-lo pelo mau uso da igreja: afinal, vai reclamar que Deus não cumpriu a promessa de livrá-lo do mal, amém.

Prometeu largar o cigarro para poder seguir rezando.


Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 29.12.2010
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman




Deus e o Diabo na Terra [Crônica Falada]


Raphael Vicenzi at his own http://www.mydeadpony.com/


Estávamos no balcão comendo uma carninha, de frente para a grelha. Ambiente mais que apropriado para uma conversa informal. Quando distraídos, esquecemos de mentir.

- Mas é claro que eu rezo!

- Sério? Você reza mesmo, de verdade?

- Sim! Eu me benzo antes de dirigir, faço oração antes de dormir...

- E o que você reza?

- Peço a Deus pra proteger você, meus filhos, cuidar enquanto estou fora, por exemplo, se estiver viajando, dar saúde, paz. Essas coisas.

- Ih, só falta benzer o cigarro.

Ok. Eu sabia que Fabrício era religioso, mas de alguma forma, duvidava que ele realmente acreditasse no poder da prece.

Não é que eu seja contra religião, quer dizer, eu tenho certo receio com religiosos, em geral são pessoas preconceituosas e moralistas que se disfarçam de santos para melhor julgar seu semelhante.

Enfim, como eu ia dizendo, não sou exatamente contra quem reza pedindo: eu não gosto é de quem se isenta ao pedir. Explico: quem reza pra Deus proteger o carro, anda com adesivo de Jesus, mas bebe e não passa a chave adiante.

Não gosto de quem ora implorando proteção aos filhos e nem conversa com eles, não sabe de seus amigos, não conhece seus gostos, não chega perto para ver, não abre os próprios medos e exige que o filho confesse os seus.

Não tolero quem se benze pedindo saúde e come qualquer porcaria, não faz nem uma caminhadinha matinal, toma leite integral e remédio para baixar o colesterol. Não aguento.

Não simpatizo com quem ajoelha no rosário pedindo pela união da família e insiste em fofocar e maldizer a esposa do fulano, a conduta da beltrana: jura que sabe mais que todo mundo. Só não sabe conviver.

Não guardo estima por quem faz promessa pra emagrecer comendo pizza à noite; quem aplica mandinga pelo amor de alguém que partiu ao invés de virar a página e cuidar da própria vida.

Desconsidero aquele que despacha para Deus a tarefa de guardar seu corpo, seu dinheiro ou sua alma. Viver bem depende exclusivamente da própria autoria.

Avisei o Fabrício que os padres poderiam processá-lo pelo mau uso da igreja: afinal, vai reclamar que Deus não cumpriu a promessa de livrá-lo do mal, amém.

Prometeu largar o cigarro para poder seguir rezando.


Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 29.12.2010
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman




Deus e o Diabo na Terra [Crônica Falada]


Raphael Vicenzi at his own http://www.mydeadpony.com/


Estávamos no balcão comendo uma carninha, de frente para a grelha. Ambiente mais que apropriado para uma conversa informal. Quando distraídos, esquecemos de mentir.

- Mas é claro que eu rezo!

- Sério? Você reza mesmo, de verdade?

- Sim! Eu me benzo antes de dirigir, faço oração antes de dormir...

- E o que você reza?

- Peço a Deus pra proteger você, meus filhos, cuidar enquanto estou fora, por exemplo, se estiver viajando, dar saúde, paz. Essas coisas.

- Ih, só falta benzer o cigarro.

Ok. Eu sabia que Fabrício era religioso, mas de alguma forma, duvidava que ele realmente acreditasse no poder da prece.

Não é que eu seja contra religião, quer dizer, eu tenho certo receio com religiosos, em geral são pessoas preconceituosas e moralistas que se disfarçam de santos para melhor julgar seu semelhante.

Enfim, como eu ia dizendo, não sou exatamente contra quem reza pedindo: eu não gosto é de quem se isenta ao pedir. Explico: quem reza pra Deus proteger o carro, anda com adesivo de Jesus, mas bebe e não passa a chave adiante.

Não gosto de quem ora implorando proteção aos filhos e nem conversa com eles, não sabe de seus amigos, não conhece seus gostos, não chega perto para ver, não abre os próprios medos e exige que o filho confesse os seus.

Não tolero quem se benze pedindo saúde e come qualquer porcaria, não faz nem uma caminhadinha matinal, toma leite integral e remédio para baixar o colesterol. Não aguento.

Não simpatizo com quem ajoelha no rosário pedindo pela união da família e insiste em fofocar e maldizer a esposa do fulano, a conduta da beltrana: jura que sabe mais que todo mundo. Só não sabe conviver.

Não guardo estima por quem faz promessa pra emagrecer comendo pizza à noite; quem aplica mandinga pelo amor de alguém que partiu ao invés de virar a página e cuidar da própria vida.

Desconsidero aquele que despacha para Deus a tarefa de guardar seu corpo, seu dinheiro ou sua alma. Viver bem depende exclusivamente da própria autoria.

Avisei o Fabrício que os padres poderiam processá-lo pelo mau uso da igreja: afinal, vai reclamar que Deus não cumpriu a promessa de livrá-lo do mal, amém.

Prometeu largar o cigarro para poder seguir rezando.


Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 29.12.2010
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman




sábado, 25 de dezembro de 2010

Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar.



EPITÁFIO
O amor é um crime 
que nunca fica prescrito*.

*@carpinejar


Eu acredito em amor defeituoso, corcunda de Notre-Dame, cheio de calabouços e górgonas, além das esmeraldas; de estrada tortuosa, de vexames e chuva de granizo. Amor de verdade, pra mim, tem que ter geografia completa, cartografia generosa e acidentes de percurso. O modo como percorremos é que nos define.

Mulher perdoa, mas não esquece. Homem esquece antes mesmo de ser perdoado. Acho que querem nos influenciar.

Mulher tem dessas coisas. Luta como louca pra deixar a lembrança afogada no calendário; amordaça a raiva daquilo que ele disse pra seguir adiante; parafusa o caixão prendendo o zumbi. Mas o fundo é falso e se remexe. O que não mata, depois enche o saco.

Já o homem, sem nenhum esforço, sem uma gotinha de suor, apressa a amnésia. Não gosta, apaga. Simples assim.

Gorda auto-indulgência que eles se oferecem. Pelo menos o Bitols.

Quando começamos a namorar, ele recém estava saindo de casa. Eu caí de paraquedas no meio da confusão mental, em plena epilepsia do divórcio. Meti a colher para segurar sua língua. Ergui meus bálsamos de apaixonada e fui tratando de engolir os achaques, as crises, as maledicências. Haja digestão:

- Foi perereca, rã, salamandra, sapo-boi, sapo verde, marrom, papudo, vermelho, da indonésia.

Fiz de um tudo para ajudar durante a tormenta, crente na bonança. Ele mesmo me alertou que consistia em fase trêmula, exigia cuidados extras, caprichos de convalescente. Prometeu que me levaria no colo quando chegasse minha vez de precisar.

Vantagem das fases críticas é que estaremos mais juntos depois. No amor, as contrariedades viram remuneração. Persistência é a moeda corrente da relação.

Décadas mais tarde, chegamos ao dia de hoje.

Era natal, estávamos no banheiro, eu lá esculpindo o Ho-Ho-Ho na cabeça de Bitols. Zummmmmmm entre os cabelinhos. Daí, o ruído foi ficando bêbado.

- Carregou o barbeador?

- Sim, ontem, toda a tarde.

- Ué? Acho que a bateria está ficando velha...

- Ah, nem diga! Adoro esse aparelho, um dos melhores presentes que me deu. E foi dos primeiros, né?

- Claro! Você dizia que ia fazer a barba na tua ex-casa quando fosse buscar teu filho, que não tinha barbeador em Porto Alegre, que o teu era 220V, que eu não me preocupasse, que o que é que tinha?, você poderia fazer a barba quando fosse lá, que limparia tudo, qual era o problema?

- Imagina. Nunca disse isso.

- Não se lembra?

- Não.

E ele nem lembrava.






* Obrigada Luizão, pela adorável sugestão de morte.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Redesignação Sexual [Crônica Falada - 22.12.2010]


Totem de Irina Vinnik - http://www.behance.net/IrinaVinnik


O Rio Grande do Sul é o estado com maior número de transexuais do Brasil. A incidência também é resultante do pioneirismo do ambulatório de Redesignação Sexual, especializado e rigoroso, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

É evidente que a transformação de Mário em Marina, uma professora da rede estadual, foi apenas questão de tempo – é a manifestação de uma realidade social.

Mas é com cuidado que precisamos não banalizar o acesso.

Examinemos o caso do britânico Charles Kane, nascido Sam Hashimi, que se submeteu à cirurgia de mudança de sexo duas vezes.

Charles relata que se sentiu inspirado à cirurgia por transexuais com quem convivia e que faziam propaganda de suas escolhas: estavam mais felizes e mais completos como mulheres. Charles viu na cirurgia a possibilidade de um milagre e achou na mudança de sexo a solução de sua angústia.

Não é assim que acontece. A intervenção apenas atende a uma necessidade de mudança de gênero, não resolve nem parcialmente as ambições emocionais de uma pessoa.

Depois de sete anos vivendo como Samantha Kane, ele se submeteu a nova cirurgia, desta vez, reconstruindo os órgãos genitais masculinos.

O processo de redesignação sexual exige uma decisão madura. Uma das diretrizes médicas indica que o candidato deve receber acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico – no mínimo - dois anos antes do procedimento cirúrgico.

Marina é uma grande inspiração, por sua competência ao reinventar a própria vida e o ensino público. Não pode ser confundida com um ídolo a ser copiado, mas sim reconhecida como uma coragem a inspirar individualidade.

A escola é um ambiente de bullying. Como Marina lidará com os ataques será determinante. Certamente tem prática e humor, visto que deve ter sofrido preconceito a maior parte de sua trajetória. Também nisso poderá ser mestra.

Ainda, recomenda-se alto grau de atenção na hora de atender à curiosidade dos alunos: nada de saciar a ansiedade com mínimos detalhes. O senso de medida ajudará que ela não seja folclórica, uma figura inofensiva capaz de perder o respeito da classe. Sua escolha biográfica não pode resultar nunca em facilidade pedagógica.

A maneira como os jovens reagirão à troca inédita de professor pela mesma professora será ensinada pelos próprios alunos, os primeiros a testemunhar a metamorfose cultural. A chance de aproveitarem bem a convivência com ela dependerá principalmente de um fator: quanto mais verdadeiros, melhor.


Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 22.12.2010
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman

Redesignação Sexual


Totem de Irina Vinnik - http://www.behance.net/IrinaVinnik


O Rio Grande do Sul é o estado com maior número de transexuais do Brasil. A incidência também é resultante do pioneirismo do ambulatório de Redesignação Sexual, especializado e rigoroso, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

É evidente que a transformação de Mário em Marina, uma professora da rede estadual, foi apenas questão de tempo – é a manifestação de uma realidade social.

Mas é com cuidado que precisamos não banalizar o acesso.

Examinemos o caso do britânico Charles Kane, nascido Sam Hashimi, que se submeteu à cirurgia de mudança de sexo duas vezes.

Charles relata que se sentiu inspirado à cirurgia por transexuais com quem convivia e que faziam propaganda de suas escolhas: estavam mais felizes e mais completos como mulheres. Charles viu na cirurgia a possibilidade de um milagre e achou na mudança de sexo a solução de sua angústia.

Não é assim que acontece. A intervenção apenas atende a uma necessidade de mudança de gênero, não resolve nem parcialmente as ambições emocionais de uma pessoa.

Depois de sete anos vivendo como Samantha Kane, ele se submeteu a nova cirurgia, desta vez, reconstruindo os órgãos genitais masculinos.

O processo de redesignação sexual exige uma decisão madura. Uma das diretrizes médicas indica que o candidato deve receber acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico – no mínimo - dois anos antes do procedimento cirúrgico.

Marina é uma grande inspiração, por sua competência ao reinventar a própria vida e o ensino público. Não pode ser confundida com um ídolo a ser copiado, mas sim reconhecida como uma coragem a inspirar individualidade.

A escola é um ambiente de bullying. Como Marina lidará com os ataques será determinante. Certamente tem prática e humor, visto que deve ter sofrido preconceito a maior parte de sua trajetória. Também nisso poderá ser mestra.

Ainda, recomenda-se alto grau de atenção na hora de atender à curiosidade dos alunos: nada de saciar a ansiedade com mínimos detalhes. O senso de medida ajudará que ela não seja folclórica, uma figura inofensiva capaz de perder o respeito da classe. Sua escolha biográfica não pode resultar nunca em facilidade pedagógica.

A maneira como os jovens reagirão à troca inédita de professor pela mesma professora será ensinada pelos próprios alunos, os primeiros a testemunhar a metamorfose cultural. A chance de aproveitarem bem a convivência com ela dependerá principalmente de um fator: quanto mais verdadeiros, melhor.


Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 22.12.2010
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman

Redesignação Sexual


Totem de Irina Vinnik - http://www.behance.net/IrinaVinnik


O Rio Grande do Sul é o estado com maior número de transexuais do Brasil. A incidência também é resultante do pioneirismo do ambulatório de Redesignação Sexual, especializado e rigoroso, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

É evidente que a transformação de Mário em Marina, uma professora da rede estadual, foi apenas questão de tempo – é a manifestação de uma realidade social.

Mas é com cuidado que precisamos não banalizar o acesso.

Examinemos o caso do britânico Charles Kane, nascido Sam Hashimi, que se submeteu à cirurgia de mudança de sexo duas vezes.

Charles relata que se sentiu inspirado à cirurgia por transexuais com quem convivia e que faziam propaganda de suas escolhas: estavam mais felizes e mais completos como mulheres. Charles viu na cirurgia a possibilidade de um milagre e achou na mudança de sexo a solução de sua angústia.

Não é assim que acontece. A intervenção apenas atende a uma necessidade de mudança de gênero, não resolve nem parcialmente as ambições emocionais de uma pessoa.

Depois de sete anos vivendo como Samantha Kane, ele se submeteu a nova cirurgia, desta vez, reconstruindo os órgãos genitais masculinos.

O processo de redesignação sexual exige uma decisão madura. Uma das diretrizes médicas indica que o candidato deve receber acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico – no mínimo - dois anos antes do procedimento cirúrgico.

Marina é uma grande inspiração, por sua competência ao reinventar a própria vida e o ensino público. Não pode ser confundida com um ídolo a ser copiado, mas sim reconhecida como uma coragem a inspirar individualidade.

A escola é um ambiente de bullying. Como Marina lidará com os ataques será determinante. Certamente tem prática e humor, visto que deve ter sofrido preconceito a maior parte de sua trajetória. Também nisso poderá ser mestra.

Ainda, recomenda-se alto grau de atenção na hora de atender à curiosidade dos alunos: nada de saciar a ansiedade com mínimos detalhes. O senso de medida ajudará que ela não seja folclórica, uma figura inofensiva capaz de perder o respeito da classe. Sua escolha biográfica não pode resultar nunca em facilidade pedagógica.

A maneira como os jovens reagirão à troca inédita de professor pela mesma professora será ensinada pelos próprios alunos, os primeiros a testemunhar a metamorfose cultural. A chance de aproveitarem bem a convivência com ela dependerá principalmente de um fator: quanto mais verdadeiros, melhor.


Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 22.12.2010
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Anemia Emocional [Crônica Falada no Camarote TVCOM]

Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM.
Apresentação @katiasuman - crônica de @cinthyaverri exibida em 15/12/10




Para esta crônica e outras representações na mídia acesse o Midiática.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Rádio Elétrica






Para Katia Suman,
em comemoração à Rádio Elétrica

Baila-me.



 Marc Johns'Swedish Lullabies at his own http://www.marcjohns.com/



Homem que sabe dançar é faceiro. Homem que sabe dançar é alegrinho.

Não falo do companheiro que acabou arrastado para a aula de dança de salão ameaçado da extinção do casamento. Não incluo aqui o marido domesticado que troca passos com dificuldade na valsa, que sempre erra a saída do xote e do xaxado. Nem mesmo digo do cabra que jamais sugere uma noitada musical, mas sim aquiesce à implacável insistência feminina e parte quase triste à boate.

O homem que dança é perequeté. A mulher sabe disso, mas insiste em afirmar que adora homem que dança, acha lindo, acha moderno.

É mentira.

Mulher gosta de homem que toma gesso no copo junto com o whisky – e fica lá, feito estátua. Se não é o deus grego que ela pedia, ao menos é uma escultura da indonésia. Um macho real, que vai dar trabalho, que vai dar motivo pra reclamar, que vai dar nos nervos e que certamente vai dar no couro.

Como uma mulher pode pedir a um dançarino airoso que lhe bata na bunda? Que lhe suje a cara? Não cabe. É impossível.

Ele quererá encontrar coreografia sob lençóis. Nada mais desinteressante que um parceiro indicando com toques suaves a direção a ser tomada.

Bom mesmo é homem que grita e dá ordem no quarto, aquele que chega e assusta. Maravilha é a voz grossa, retumbante, à moda antiga, varonil, banhada em testosterona, sem disfarce – ele não tenta agradar. Um homem que não enverga, que não amolece, que não se dobra. O homem que não rebola no compasso, não se perderá do papel que esperamos que ele desempenhe.

O homem fino, florido e frajola possivelmente sofra de ejaculação precoce. Enquanto os amigos treinavam punheta, ele passeava com a mãe pelas lojas de tecido.

O camarada soltinho das pernas e que não é Elvis Presley, está condenado à não comer ninguém. Ele não compreende, afinal, é amável, sociável, agradável e tudo mais ável que existe. As amigas, em sua defesa, afirmam que também não sabem porque seu último namoro não deu certo. O fato é que ele sempre a convidava para dançar e, numa noite qualquer, a senhorita encostou-se, por acaso, num corpulento e harto machão que estava parado. O homem parado, a gente tem mais chance de encontrar. Pensamos que é uma parede e acabamos sentindo o tijolo.

Um bailarino galante, abonecado, é, com certeza, nosso melhor amigo. Mas a verdade é que amamos o patrão do vem-cá-minha-nega, que nos arranca do salto e diz que dançar separado, feito dois corvos envenenados, é coisa de viado.

Ao menos está tentando ser homem.

Baila-me.



 Marc Johns'Swedish Lullabies at his own http://www.marcjohns.com/



Homem que sabe dançar é faceiro. Homem que sabe dançar é alegrinho.

Não falo do companheiro que acabou arrastado para a aula de dança de salão ameaçado da extinção do casamento. Não incluo aqui o marido domesticado que troca passos com dificuldade na valsa, que sempre erra a saída do xote e do xaxado. Nem mesmo digo do cabra que jamais sugere uma noitada musical, mas sim aquiesce à implacável insistência feminina e parte quase triste à boate.

O homem que dança é perequeté. A mulher sabe disso, mas insiste em afirmar que adora homem que dança, acha lindo, acha moderno.

É mentira.

Mulher gosta de homem que toma gesso no copo junto com o whisky – e fica lá, feito estátua. Se não é o deus grego que ela pedia, ao menos é uma escultura da indonésia. Um macho real, que vai dar trabalho, que vai dar motivo pra reclamar, que vai dar nos nervos e que certamente vai dar no couro.

Como uma mulher pode pedir a um dançarino airoso que lhe bata na bunda? Que lhe suje a cara? Não cabe. É impossível.

Ele quererá encontrar coreografia sob lençóis. Nada mais desinteressante que um parceiro indicando com toques suaves a direção a ser tomada.

Bom mesmo é homem que grita e dá ordem no quarto, aquele que chega e assusta. Maravilha é a voz grossa, retumbante, à moda antiga, varonil, banhada em testosterona, sem disfarce – ele não tenta agradar. Um homem que não enverga, que não amolece, que não se dobra. O homem que não rebola no compasso, não se perderá do papel que esperamos que ele desempenhe.

O homem fino, florido e frajola possivelmente sofra de ejaculação precoce. Enquanto os amigos treinavam punheta, ele passeava com a mãe pelas lojas de tecido.

O camarada soltinho das pernas e que não é Elvis Presley, está condenado à não comer ninguém. Ele não compreende, afinal, é amável, sociável, agradável e tudo mais ável que existe. As amigas, em sua defesa, afirmam que também não sabem porque seu último namoro não deu certo. O fato é que ele sempre a convidava para dançar e, numa noite qualquer, a senhorita encostou-se, por acaso, num corpulento e harto machão que estava parado. O homem parado, a gente tem mais chance de encontrar. Pensamos que é uma parede e acabamos sentindo o tijolo.

Um bailarino galante, abonecado, é, com certeza, nosso melhor amigo. Mas a verdade é que amamos o patrão do vem-cá-minha-nega, que nos arranca do salto e diz que dançar separado, feito dois corvos envenenados, é coisa de viado.

Ao menos está tentando ser homem.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Vida de M. [Crônica Falada no Camarote TVCOM]

Vida de Merda, site na internet que divulga a alegria da desgraça;
e os os três tipo de pessoa: o louco, o normal e o sadio.
Confira esta Crônica Falada:



Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Xadrez e o Gamão [Crônica Falada Camarote TVCOM 04.12.2010]

Crônica Falada exibida na última sexta-feira - com minha opinião sobre o funcionamento dos eventos e a relação entre o xadrez e o gamão.

Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM (segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman - crônica de @cinthyaverri exibida em 04/12/10

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Na Feira do Livro em São Leopoldo

03/12 (sexta-feira) – São Leopoldo (RS), 19h
25ª Feira do Livro de São Leopoldo - Patrono
Homenagem ao patrono com Maria Carpi e Cínthya Verri 
Local: Praça 20 de setembro
(Rua Osvaldo Aranha, 934)

 
03/12 (sexta-feira) – São Leopoldo (RS), 21h
25ª Feira do Livro de São Leopoldo - Patrono
Noite Corsária com Renato Godá (foto), Fabrício Carpinejar e Banda A-4
Local:
Satolep
(Av. Independência 1213A - Centro)

Na Feira do Livro em São Leopoldo

03/12 (sexta-feira) – São Leopoldo (RS), 19h
25ª Feira do Livro de São Leopoldo - Patrono
Homenagem ao patrono com Maria Carpi e Cínthya Verri 
Local: Praça 20 de setembro
(Rua Osvaldo Aranha, 934)

 
03/12 (sexta-feira) – São Leopoldo (RS), 21h
25ª Feira do Livro de São Leopoldo - Patrono
Noite Corsária com Renato Godá (foto), Fabrício Carpinejar e Banda A-4
Local:
Satolep
(Av. Independência 1213A - Centro)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Feliz Aniversário

EPITÁFIO
Amava Wim Wenders e o U2.
Enfim, Tom-Tom.




Aniversário de namoro é comoção. Dá uma ligadura no peito, aquela bobeira por estar junto mais um ano. Chega o dia e, às vezes, a gente só nota quando assina o cheque. E se apercebe sorrindo porque dá tempo de surpreender a pessoa que amamos ainda - e cada vez mais.

Foi bem assim na manhã daquele dia: preenchi a primeira receita e completei a data me dando conta de que era a especial.

Saí no intervalo do meio-dia e preparei presentinhos significativos, cada um com o respectivo bilhetinho.

Não é que estivesse desprevenida – mas é que nossa expectativa de comemorar compreendia uma viagem que se seguiria um par de dias dali, um tipo de lua de mel ou equivalente.

O que me deu foi um ataque de nostalgia, assim, no dia específico em que a gente se conheceu: uma crise romântica. Não quis deixar o calendário à toa. Escrevi uns torpedos melosos, convidando para reencontro no bar em que nos vimos pela primeira vez; coisa rápida. Ele topou e, mais que isso, reservou a mesa em que ficamos, a mesma mesa.

Pensei em ir com a aquela mesma roupa, mas mudei de ideia e me arrumei de arrasar. De arrasar e arrastar – porque coloquei um vestido curto, preto, com fenestras e uma meia arrastão com saltos altíssimos.

Ah, ele adorou. Bitols festeja de me ver com exuberâncias. É meu fã número um. Dá gosto de se por em banquete para ele se fartar. Não economiza o desejo que tem e me honra com olhos de ímã.

Pedimos espumante, uma tacinha, que mal tem, mais não posso, amanhã trabalho cedo.

Beliscamos uma coisinha, fizemos a troca de presentes. Ele, um escândalo, com linduras trazidas de Minas Gerais, roupas deslumbrantes, espetaculares mesmo. Puro luxo.

Bem, vamos acabar cedo, já valeu o momento, tão bonito que a gente voltou aqui hoje, não é mesmo, é sim, adorei os presentes, sabe, enfim, vou ali pagar a conta.

Como Bitols demorasse muito, fui atrás. Aí, como relâmpago dos demônios:

- A avacalhação em massa.

Uma anã frenética loira passou por mim se rindo toda e alcançou, meio que inadvertidamente, um papelote ao Bitols:

- Tá aqui o que você pediu. - disse a miniatura do Atchim.

Bitols, por sua vez, guardou o paraquedas branco de guardanapo no bolso de trás da calça – rápido como quem rouba.

E a micro-pessoa se esvaiu de nós aos trancos em direção ao banheiro, abriu a porta de vai-e-vem rindo alto e sumiu – provavelmente latrina adentro onde deve ter ido se reunir com os seus.

Fiquei eu parada olhando em choque de como-assim-o-que-significa-isso e Bitols, branco das neves, algo como panicando, saiu-se dizendo que não era isso, isso o quê?, o que você está pensando, que a moça pediu pra que eu fosse na mesa delas, que faziam um blog, que queriam que eu escrevesse qualquer coisa, aí eu pedi o contato.

Ahan. Não era uma cantada, imagina!, era uma consultoria literária.

Diante de minha cara de tacho do tipo JUSTO-HOJE, em letras garrafais, ele resolve abrir a chonga e lá estava o endereço, algo equivalente a http://confraria_das_separadas.blogdosinfernos.com.

Não tem saída, não. Só matando.

PS. Gracias, Jacelena Dourado, pela morte sugerida. Tão romântica.