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segunda-feira, 21 de março de 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

Listarama [Crônica Falada]

Assista esta Crônica Falada
Crônica de @cinthyaverri exibida em 09.03.2011
Crônica Falada é um quadro do programa Camarote TVCOM
(segunda a sexta, 18h30, na TVCOM - Canal 36 UHF/NET).
Apresentação @katiasuman

domingo, 6 de março de 2011

Conficções: o doce veneno do escorpião.

EPITÁFIO

Por dentro dos cabos
estavam os nervos.





Bitols é tão espirituoso que às vezes desejo que desencarne. Ambos sairíamos ganhando: ele estaria com os seus e eu ficaria livre de assombração.

Sou uma pessoa com alguns conceitos. Não acredito que seja fácil conviver comigo, chego a ter obsessões com algumas palavras, termos que signficam isso ou aquilo:

- Responsabilidade, grandiosidade, culpa.

Em resumo: eu falo um dialeto.

Não aconteceu de graça, não foi de uma hora para outra: são frutos dos anos de consultório e de trabalhar com a psico-análise. Acabei abraçada em algumas âncoras.

Por exemplo, não economizo em aplicar “loucura”, “fiquei louca” ou “louco”. Não uso como quem aponta um crime, mas também não lanço à toa, como um xingamento. É mais um diagnóstico simples, para lembrar a mim e aos meus que a gente visita a completa desorganização várias vezes ao dia.

Quando digo que “acho que isso está adoencendo teu filho”, “mentir assim é de enlouquecer qualquer um” estou falando sério. Bitols não gosta nem um pouco. Acha um saco, na real, o plantão selvagem e gratuito.

Tá bem, é xarope. Mas xarope nasceu para aliviar a tosse. Vou usar minha medicina especialmente com os que amo. Não topo assistir um deles se envenenando de risólis frito em óleo cancerígeno e não falar nada. Isso é negligência. O mesmo vale para quando vejo Bitols encobrindo que um filhote não deu a descarga. Acho “super-pai” o Ó.

Caçoo e chamo de Bob pai e Bob filho.

Deve ser um porre a presença de um padre cerceando os pecados, vai ver que é por isso que não casam e nem têm filhos. Adoro um púlpito e mereço a chacota; mas também ajeito as feridas, os arranhões, presto para indicar pomadas, prescrever comprimidos, tratar cólicas e dermatite seborréica.

Por isso é que fiquei fula, mas fula mesmo, quando o Bitols foi num programa de TV aberta praticar um dos seus retanches de escorpiano. 

Ah, eu estou sabendo que ele não tem compromisso com a saúde de ninguém, que está nessa vida pelo melhor do texto. Ele vai sacrificar qualquer compromisso com a verdade em nome do grande efeito. Já senti na pele - precisamente porque ele é genial no convencimento. Na hora do romance, nada supera seu discurso. Na hora da discussão, é um orador de primeira. Briga de cachorro grande, como descreveu minha cunhada.

Ele criou um gênero que se chama Conficção: parece confissão, mas é ficção. Ninguém sabe a diferença. Nem ele. É que o leitor quer alguém que viva, não apenas alguém que escreve bem. Bom autor está para ser um gêmeo, um tradutor da emoção. E ele faz isso como ninguém.

Outra coisa que ele faz como ninguém é dar o troco:

- Não era qualquer programa.

Era justamente o Camarote. Sim, aquele que participo todas as semanas fazendo a Crônica Falada. Meu sangue cozinhou as hemáceas enquanto engolia a paródia.

O santinho-do-pau-oco sentou no sofá na frente das câmeras e abriu a tramela discursando da importância de reclamar. Justo reclamar! A pior coisa - o modo mais rápido para ficar paralisado diante das coisas e mentindo que está fazendo algo a respeito. Um dos meus pontos chaves.

Foi golpe baixo e não parou por ali: saiu incrementando e disse que o amor é um pouco doença, que excesso de saúde adoece. E as pessoas no estúdio meneando a cabeça, rindo, achando bonito aquele monte de barbaridade. Ninguém nem imaginava que estava participando de um complô. Foram aliciados como todo o público que viu e que se sentiu legítimo na preguiça de melhorar a própria vida.

- Ui, que ódio de vingança velada!

Convenhamos: não quer ajudar, não atrapalha. Fiquei doente de raiva, esverdeada. No fim, isso aqui não deixa de ser também um revide. Pelo menos eu chamo de Matando Carpinejar.

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Confira aqui a famigerada entrevista.

sábado, 5 de março de 2011

A Crueldade do Tio Ranzinza [Cultura ZH]

Em novo livro, ainda inédito no Brasil, Philip Roth volta a 1944 e conta uma história que envolve crianças – mas não muda o tom pessimista conhecido de seus leitores



Arte e texto de
Cínthya Verri
Médica




Deixai a esperança, vós que entrais na obra de Philip Roth. O preceito dantesco vale para a recente fase ficcional do americano, que acaba de publicar um novo romance, Nemesis, ainda inédito no Brasil.


Não existe esperança no universo de Roth, mas resignação. Trata-se da difícil conformação do fim, a aceitação de que o homem não pode fazer coisa alguma, além de espernear. Tudo o que ele fizer contra a morte é histeria.

Seus personagens mergulham em difíceis enfrentamentos, emergindo pálidos e mais fracos do que no início da luta. São várias insuficiências, matizes de uma mesma esterilidade emocional: Fantasma Sai de Cena é a impotência sexual; Humilhação é a impotência diante da velhice; Homem Comum é impotência perante uma doença incurável; Indignação é a impotência do ódio; O Animal Agonizante é a impotência no amor.

Roth é conhecido por explorar a natureza do desejo sexual e o autoconhecimento. É a primeira vez que o autor desvenda a própria infância e descreve com riqueza os hábitos americanos da época. Inclusive, o modo de colapsar diante do medo.

Usa como cenário sua cidade natal, Newark, em Nova Jersey, para reproduzir a terrível crise de poliomielite que assolou a região. No verão de 1944, no fim da II Guerra, parecia existir um outro Holocausto civil. Comunidades judaicas morriam em uma câmara de vapor, uma estufa letal que não podia ser evitada, nem mesmo com as medidas sanitárias mais extremas – o vírus seguia paralisando nervos, músculos e a capacidade de mover os pulmões. Quando não matava, deformava permanentemente.

O protagonista dilemático é Eugene Cantor, ou Bucky, professor de Educação Física, encarregado do playground municipal e que cuidava para que as crianças esquecessem o terror e se exercitassem como se nada estivesse acontecendo. O porte atlético impunha solenidade e o caráter puro e reto conquistou rapidamente o respeito dos estudantes – tornou-se o herói máximo no período das férias.

Manter a distração pelo esporte não era tarefa fácil. Quem desfrutava de condição financeira não precisava ficar no centro, alvo imediato da doença, e se dirigia aos acampamentos de verão nas montanhas e serras.

A questão é que Bucky se sente um ídolo de barro, não confia em si, nem nunca confiou. Criado pelos avós, temia herdar resquício genético do pai (ladrão) e ainda carregava o fardo da mãe morta em seu parto.

Gostaria de ter zerado as dívidas e as incertezas com o alistamento militar, mas foi recusado. Tinha que haver um motivo lógico para sua miopia; para que seu corpo não servisse como arma para seu país na guerra; para que estivesse junto às crianças naquele momento. Precisava ser essencial. Portanto, assumiu a responsabilidade por tudo o que acontecia de mais doloroso.

Delírio é quando não temos dúvida. Nemesis, na mitologia, é a deusa da vingança divina. Roth avisa desde o título que questionará a qualidade dos desígnios dos céus.

A saída psicológica diante da absoluta impotência é buscar um crime que justifique o dano. A saga de Bucky consiste em deslizar entre se ver culpado e culpar a deus. E, nesse jogo, confundir-se até acreditar que deus é ele.

Encarna a tese dos rizomas de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Os filósofos apresentam a imagem de um tipo de raiz capaz de se desenvolver e sustentar o alimento mesmo nos solos mais áridos. Quanto mais rígidos os princípios e a moral, a imutabilidade das crenças, a incapacidade de compreender a multiplicidade, menores as chances de adaptação.

É o caso de Bucky. No ambiente hostil, de acontecimentos drásticos, não sobrevive emocionalmente quem não se ajusta, quem não descobre em si um sistema de acomodação mais inteligente do que a onipotência.

Tal tragédia grega, era de se desconfiar que ele seria o maior troféu da poliomielite. O único que não foi por acaso. Justamente porque abandonou o playground para ceder ao romance com sua noiva Márcia. Nenhum motivo nobre, apenas o desejo amoroso.

Ele não possuía o direito de ter prazer numa situação daquelas: alguém assombrado por um sentimento exacerbado de justiça e direito, e que atribuiu um significado mais grave à sua história e antecipou sua condenação ao longo do tempo, tanto como vítima da doença quanto como disseminador. Forçou exílio e arranjou um emprego público medíocre imaginando que esse deveria ser seu castigo: passar pela vida sem vivê-la.

No auge criativo de seus 80 anos, Philip Roth é aquele tio ranzinza que conta a verdade sobre a família no Dia de Ação de Graças. Sinaliza a falsa importância gerada pelo infortúnio. O desejo de poder é tão paralisante quanto o poliovírus, quando consideramos que sabemos mais do que a realidade. A culpa não existe. É uma invenção simplista para alimentar a covardia.

Já que não poderia ser o melhor na alegria, Bucky quis ser o melhor na dor.


Nemesis,
Philip Roth

Publicado no jornal Zero Hora
Caderno Cultura
p. 5, 05/03/2011
Porto Alegre, Edição N° 16630

A Crueldade do Tio Ranzinza [Cultura ZH]

Em novo livro, ainda inédito no Brasil, Philip Roth volta a 1944 e conta uma história que envolve crianças – mas não muda o tom pessimista conhecido de seus leitores



Arte e texto de
Cínthya Verri
Médica




Deixai a esperança, vós que entrais na obra de Philip Roth. O preceito dantesco vale para a recente fase ficcional do americano, que acaba de publicar um novo romance, Nemesis, ainda inédito no Brasil.


Não existe esperança no universo de Roth, mas resignação. Trata-se da difícil conformação do fim, a aceitação de que o homem não pode fazer coisa alguma, além de espernear. Tudo o que ele fizer contra a morte é histeria.

Seus personagens mergulham em difíceis enfrentamentos, emergindo pálidos e mais fracos do que no início da luta. São várias insuficiências, matizes de uma mesma esterilidade emocional: Fantasma Sai de Cena é a impotência sexual; Humilhação é a impotência diante da velhice; Homem Comum é impotência perante uma doença incurável; Indignação é a impotência do ódio; O Animal Agonizante é a impotência no amor.

Roth é conhecido por explorar a natureza do desejo sexual e o autoconhecimento. É a primeira vez que o autor desvenda a própria infância e descreve com riqueza os hábitos americanos da época. Inclusive, o modo de colapsar diante do medo.

Usa como cenário sua cidade natal, Newark, em Nova Jersey, para reproduzir a terrível crise de poliomielite que assolou a região. No verão de 1944, no fim da II Guerra, parecia existir um outro Holocausto civil. Comunidades judaicas morriam em uma câmara de vapor, uma estufa letal que não podia ser evitada, nem mesmo com as medidas sanitárias mais extremas – o vírus seguia paralisando nervos, músculos e a capacidade de mover os pulmões. Quando não matava, deformava permanentemente.

O protagonista dilemático é Eugene Cantor, ou Bucky, professor de Educação Física, encarregado do playground municipal e que cuidava para que as crianças esquecessem o terror e se exercitassem como se nada estivesse acontecendo. O porte atlético impunha solenidade e o caráter puro e reto conquistou rapidamente o respeito dos estudantes – tornou-se o herói máximo no período das férias.

Manter a distração pelo esporte não era tarefa fácil. Quem desfrutava de condição financeira não precisava ficar no centro, alvo imediato da doença, e se dirigia aos acampamentos de verão nas montanhas e serras.

A questão é que Bucky se sente um ídolo de barro, não confia em si, nem nunca confiou. Criado pelos avós, temia herdar resquício genético do pai (ladrão) e ainda carregava o fardo da mãe morta em seu parto.

Gostaria de ter zerado as dívidas e as incertezas com o alistamento militar, mas foi recusado. Tinha que haver um motivo lógico para sua miopia; para que seu corpo não servisse como arma para seu país na guerra; para que estivesse junto às crianças naquele momento. Precisava ser essencial. Portanto, assumiu a responsabilidade por tudo o que acontecia de mais doloroso.

Delírio é quando não temos dúvida. Nemesis, na mitologia, é a deusa da vingança divina. Roth avisa desde o título que questionará a qualidade dos desígnios dos céus.

A saída psicológica diante da absoluta impotência é buscar um crime que justifique o dano. A saga de Bucky consiste em deslizar entre se ver culpado e culpar a deus. E, nesse jogo, confundir-se até acreditar que deus é ele.

Encarna a tese dos rizomas de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Os filósofos apresentam a imagem de um tipo de raiz capaz de se desenvolver e sustentar o alimento mesmo nos solos mais áridos. Quanto mais rígidos os princípios e a moral, a imutabilidade das crenças, a incapacidade de compreender a multiplicidade, menores as chances de adaptação.

É o caso de Bucky. No ambiente hostil, de acontecimentos drásticos, não sobrevive emocionalmente quem não se ajusta, quem não descobre em si um sistema de acomodação mais inteligente do que a onipotência.

Tal tragédia grega, era de se desconfiar que ele seria o maior troféu da poliomielite. O único que não foi por acaso. Justamente porque abandonou o playground para ceder ao romance com sua noiva Márcia. Nenhum motivo nobre, apenas o desejo amoroso.

Ele não possuía o direito de ter prazer numa situação daquelas: alguém assombrado por um sentimento exacerbado de justiça e direito, e que atribuiu um significado mais grave à sua história e antecipou sua condenação ao longo do tempo, tanto como vítima da doença quanto como disseminador. Forçou exílio e arranjou um emprego público medíocre imaginando que esse deveria ser seu castigo: passar pela vida sem vivê-la.

No auge criativo de seus 80 anos, Philip Roth é aquele tio ranzinza que conta a verdade sobre a família no Dia de Ação de Graças. Sinaliza a falsa importância gerada pelo infortúnio. O desejo de poder é tão paralisante quanto o poliovírus, quando consideramos que sabemos mais do que a realidade. A culpa não existe. É uma invenção simplista para alimentar a covardia.

Já que não poderia ser o melhor na alegria, Bucky quis ser o melhor na dor.


Nemesis,
Philip Roth

Publicado no jornal Zero Hora
Caderno Cultura
p. 5, 05/03/2011
Porto Alegre, Edição N° 16630