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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Preso na Ferragens

EPITÁFIO

Parecia ter nascido sobre rodas.



Bitols sofre muito com o trânsito. Não com engarrafamentos ordinários, esses em que ficamos estagnados, espremidos em ruas estreitas da cidade. Bitols padece do mal da BR-116.

Entre as cidades da grande Porto Alegre, a ligação acontece pela estrada federal. Os imprevistos são os mais previsíveis: um choque entre carros pára tudo; um choque entre motos pára tudo; um buraco na rodovia pára tudo; um cão atropelado pára tudo; um pneu furado pára tudo.

Não se sabe se é fruto da curiosidade mórbida ou crise de engenharia: o fato é que os trechos ficam estreitos demais todo dia.

Mesmo assim, Bitols é um guerreiro do tráfego: não desiste de transportar seu filho de lá para cá e daqui para lá. Como a mãe do rapazote não dirige, a carga preciosa recai sobre os bancos do carro de Bitols. Mas isso não afeta a boa vontade do motorista, não senhor! Ele está sempre de prontidão e, em nome do amor paternal, nunca perde o entusiasmo.

Durante a semana, Bitols acorda às seis da manhã para garantir que o pequeno chegue no horário. Em dia de jogo, papai leva-e-traz arranja agenda para o transporte. Não é problema.

Nos horário de pico, é o deus-nos-acuda: às vezes leva mais de sessenta minutos para o trajeto de 30km.

Na sexta-feira que antecedia ao carnaval, por exemplo, Bitols ficou de me trazer o carro na volta da viagem. Deixou-me na clínica, para o trabalho, um pouco depois da uma da tarde. A seguir, partiu, zeloso, para devolver o guri ao lar materno.

Às três, eu estranhei um pouco, mas não comentei, afinal, estava entre um atendimento e outro. Além disso, minha paciente das duas tinha se atrasado quase meia hora devido a um engavetamento automobilístico. E ela vinha pela mesma bê-erre rumo ao centro da capital.

Às quatro, questionei minha secretária se o dito cujo tinha telefonado, mas nem sinal.

Quando bateram cinco badaladas, agarrei o celular:

— E aí, Bitols? Já chegou?

— Nossa, não, tô no maior trânsito.

— Sim, mas...

— É o carnaval, né? O povo tá todo na estrada para o litoral.

— Mas você está voltando no sentido contrário da maioria!

— Ah, não, não, mega trânsito.

— Bitols: quer me dizer que está da uma às cinco da tarde aí na estrada?

— Super trânsito!

— Bitols!!

— Se tu não acredita, fala com a Francesca, que esteve comigo no telefone o tempo todo!

— Tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu...

Pior do que atochar é meter a produtora no meio. Pena que não foi um acidente.

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