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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Meu querido caderninho. [Revista Cultura]


Por mais que a vida seja online, que o laptop tenha reduzido seu tamanho, que o iPad venha a seduzir bibliotecários, que o iPhone sequestre os interurbanos, o bloquinho de rabiscos permanece imbatível. Livros e obras-primas continuam nascendo de pequenas brochuras do tamanho do bolso de um paletó, para serem abertos a qualquer hora como um relógio de corrente.

O que atrai é sua discrição. Ninguém chamará a atenção abrindo seu caderninho em público, diferente do estardalhaço provocado pelos celulares, computadores e objetos eletrônicos.

O espiral de notas atende à ambição de escritório portátil, cumprindo o propósito de sempre estar preparado para a escrita. É um caixa automático 24 horas para grandes ideias, um museu de insignificâncias e de observações do mundo em tempo real. Algo como um plantão dos devaneios, fazendo durar uma frase, um desenho, uma palavra anotada às pressas.

Exageramos? O inglês Oscar Wilde não renunciava ao hábito de escrever nas cadernetas e adorar a si mesmo em suas andanças pela Europa: “Eu nunca viajo sem meu caderno de anotações. Sempre se precisa de excitação sensacional para ler no trem”.

Representa o momento em que o escritor larga a torre de marfim na transição do século 19 ao 20, sacudido pela Revolução Industrial, e passa a escrever no meio da multidão. Transforma-se no flâneur de Baudelaire, radar das contradições e do caos do mundo, transportando a ficção para cada lugar que frequenta.

Assim como visitar uma exposição é conhecer o ato final do pintor, escarafunchar seu caderninho é desfrutar da rotina do ateliê, da intimidade das sobras, dos exercícios, dos estudos e das arestas. A diferença de recepção é detectada por Roger Bassetto, que organizou o Sketchbooks, junto com Cézar de Almeida, uma coletânea que traz o miolo dos cadernos pessoais de 26 artistas, como Eduardo Recife, Eduardo Berliner, Guto Lacaz, Rafael Grampá, Arthur D’ Araujo e Carla Caffé. A antologia reúne todas as tribos dos traços (designers, arquitetos, ilustradores, cartunistas, grafiteiros e tipógrafos); sua ambição é pautar as novas gerações e identificar focos de insubordinação e irreverência gráficas. "Arte contemporânea é tão complexa quanto qualquer outra linguagem, e isso pede novas sugestões sempre", expõe Roger.

PERTENCIMENTO
Todo caderninho é a luta do autor contra o esquecimento. Para não perder a inspiração, para não apagar um sonho, para conservar uma epifania. O mais procurado é o Moleskine. Van Gogh e Picasso utilizavam esse estilo de caderno para traçar os estudos de seus quadros. Trata-se de um livrinho com uma tira de elástico, que o mantém fechado, e lombada costurada, permitindo que ele permaneça plano a 180 graus enquanto aberto. Uma espécie de prancheta minúscula para deslizar a caneta ou uma toalha de mesa para a mão.

Os primeiros Moleskines eram fabricados por uma empresa familiar em Tours, na França. Depois do falecimento do dono, a Modo & Modo, de Paris, assumiu o compromisso e registrou o produto em 1996. Uma década depois, a empresa colocou-se à venda por não conseguir dar conta da demanda. A Moleskine Srl, atual fabricante italiana, hoje coordena a distribuição e a produção dos famosos caderninhos de cantos arredondados.

Seu principal adepto foi o francês Marcel Proust (1871-1922). Em 1908, Proust ganhou de presente da Madame Strauss (viúva de Bizet) cinco cadernetas em que deixou os primeiros esboços de Em busca do tempo perdido, um dos clássicos da literatura. Tanto que, em 2002, os carnets saíram a lume em edição fac-símile, reunindo suas anotações feitas em três anos, até 1911. É a maneira mais enfática e precisa para conhecer os segredos do processo criativo. Quase como receber o cérebro proustiano numa bandeja. São citações de leitura, palavras sonoras, descrições de lugares, trechos inteiros de suas memórias, agenda de endereços, além – é claro – de muita sacanagem, dezenas de nomes de soldados e efebos para seus encontros amorosos.

Ernest Hemingway também se tornou um seguidor dos modelitos sem pauta. Frequentava cafeterias em Paris nos anos 1920 trabalhando a céu aberto as estruturas de seus livros Paris é uma festa e O sol também se levanta. Entre um pedido ao garçom e uma espiada na rua, declarava amor eterno às garatujas: “Você pertence a mim e toda Paris pertence a mim e eu pertenço a esse caderno de anotações e a esse lápis”. Nem Indiana Jones escapa da adoração pop. O pai do personagem principal, o professor Henry Jones, mantém as suas anotações de pesquisa numa Moleskine, os tesouros arqueológicos por debaixo da letra.

O que agrada é justamente sua facilidade de faroeste: o caderninho lembra o coldre do revólver para sacar rapidamente a caneta no duelo com a memória. Revela a organização mental de seus adeptos, a integridade dos rascunhos com seus cortes, rejeições, lacunas e fraseados desconexos. Se antes as editoras corriam para procurar inéditos dos escritores mortos, agora o interesse é pelos caderninhos. Agatha Christie (1890-1976) é a nova vítima da curiosidade. Os 73 cadernos de rascunho da autora são objeto de estudo do irlandês John Curran em Agatha Christie's Secret Notebooks. O aficionado é convidado a acompanhar os bastidores de preparação do livro policial mais vendido da história, E não sobrou nenhum (O caso dos dez negrinhos), em que Agatha cria oito personagens, depois 12 e, finalmente, os dez da trama original.


ASILO
As musas gostam do volume das calças, brinca o músico paulista Renato Godá, 40 anos, que acabou de lançar o CD Canções para embalar marujos. Ele já criou uma letra inteira de pé numa loja. Veio como um flash, um vulcão, um relance. Parecia que alguém ditava linha por linha em seu ouvido. O caderninho salvou a Canção de bom partido do limbo. Da página voou para o estúdio:

Não faço cerimônia
Não sou um bom partido
Tendo para os vícios
Posso causar desgosto

Sou um pervertido
Livre leve e solto
Um vagabundo astuto
Um vira-lata escroto

Mas você pode se divertir
Mas você pode se divertir

Godá tem requintes de viciado em anotações. Abusa de visões avulsas, impressões corsárias, recortes de revistas. No meio da poesia, entram avisos como “pagar a escola do Gabriel amanhã” ou lista de presentes de Natal.

“Tenho TOC [transtorno obsessivo compulsivo], a vida fica mais produtiva com os livrinhos”, comenta. O compositor prefere o garrancho ao computador. Sofre com as páginas em branco, ansioso para resolver logo as lacunas. “Escrevo alucinado para chegar ao fim. Eu invento para me preencher.”



Acredita que a caderneta oferece uma segunda chance aos pensamentos. “É um purgatório, não deletamos rápido. Quando digito no Word, nunca saberei o que foi riscado, não há como se arrepender”, afirma. Lembra também que muitas vezes uma anotação não faz sentido numa idade e ganha significação em outro tempo. O caderninho seria o equivalente a um asilo para visitar nossos escritos velhinhos.

ESCRITOS EM TRANSE
O criador do romance A arte de produzir efeito sem causa e ilustrador Lourenço Mutarelli, 46 anos, acha que sua fixação às cadernetas partiu do Bar do Dimas. Do armazém na Vila Mariana, perto de sua avó Norma. A caderneta listrada de fiado – em que anotava doces quando menino – motivou a transpor sua criatividade aos pequenos formatos.


“O caderninho é o nosso fiado com o leitor”, confessa.
Desde que visitou Nova York, em 2007, para desenvolver uma história para a coleção Amores expressos, virou fã dos Moleskines. Acumula mais de 20 exemplares, que são empregados ao mesmo tempo. No instante em que sua coleção está prestes a acabar, entra numa fissura de dependente químico. Pede desesperadamente aos amigos que costumam viajar ao exterior que tragam fartas provisões das livrarias. “São meus traficantes, minhas mulas”, ri.



Os caderninhos de Mutarelli evidenciam a alta performance de sua criatividade, seja em colagens, histórias em quadrinhos ou legendas de efeito. São livrinhos lindos, encadeados, com enredos inesperados. Uma de suas regras é nunca escrever e desenhar sóbrio. O Moleskine repousa na mesa como a bolacha do uísque (quando tem dinheiro) ou da pinga (quando falta grana).

“Minha postura com eles é experimental, libertária, não quero refletir sobre aquilo que estou fazendo, mas fazer sem parar, até cansar os dedos ou esquecer onde estou”, comenta.

A escrita automática procura suspender a censura e os condicionamentos, e viabilizar o máximo de espontaneidade na composição das obras. Os efeitos colaterais não poderiam ser mais sadios. A partir das cadernetas, inventou algumas técnicas como “layout invertido”. Ou seja, colar algo sobre o que estava finalizado. “Recordo que um deles me forneceu material para a série na internet Corpo estranho. Tudo surgiu de uma bula de um creme vaginal. Fiz desenhos em cima e elaborei o script de uma mulher paranóica com a composição do produto.”

ESPANTO DE ESTRANHO
A escritora gaúcha Cíntia Moscovich, 52, autora do livro Por que sou gorda, mamãe?, alimenta uma obsessão enorme com os caderninhos. É item obrigatório na bolsa na hora de sair, ao lado do batom e do rímel. É absolutamente fetichista, a ponto de registrar na folha de rosto o lugar onde inaugurou o Moleskine. O mais recente, adquirido neste ano, foi deslacrado em Lisboa, no Convento dos Jerônimos, em frente ao túmulo de Fernando Pessoa.

“Comecei bem, né?”, diverte-se.
Ela também experimentou dissabores, como extraviar uma caderneta num restaurante em Madri.

“Vários contos desapareceram, não recuperei os dados. Quando anoto, livro a cabeça da tarefa de lembrar”, explica.

Seu método atual é ser sucinta, colocar apenas uma isca ou uma lembrança para conservar a ligação com a cena. Percebe o diário como um caça-ideias, um dicionário de imagens, um amparo necessário durante bloqueios criativos.

“Fixo uma frase ou duas palavras, um outdoor de unha para me guiar depois.” O arquivista de rua e narrador pernambucano Marcelino Freire, vencedor do Jabuti de 2006 com Contos negreiros, demonstra ser um usuário inveterado das anotações de bolso. Formula seus aforismos no papel e repassa, em seguida, ao Twitter sob a efígie de Contos nanicos. Preenche uns 15 livrinhos simultaneamente. Pega um da escrivaninha de modo aleatório e segue viagem para dentro das palavras. É um alucinado por lamber o som, fixa-se numa expressão para dissecar sentidos ocultos. Como ao localizar a palavra índio dentro de suicídio – suicíndio – e criticar o descaso das autoridades com as reservas indígenas brasileiras.

Seu sarcasmo parte da mais completa ingenuidade. Veja uma de suas pílulas dos blocos, redigida em São João del Rei (MG) em setembro:
“Necrofilia: – Me come, vai. / E a terra comeu.”

Cada louco com suas manias. Diferentemente da maior parte dos intelectuais, Freire não passa a limpo o caderninho com rapidez. Finge que perde um dos volumes para se alegrar com a recuperação dos dados. Montou, inclusive, uma estante de caderninhos em seu quarto. Há libretos em que não mexe há décadas.

“Eu tenho amnésia, ponho de lado para encontrar as páginas com o espanto de um estranho.”

Os caderninhos são os diários dos livros. A caixa-preta da ficção. “E mais higiênicos do que o guardanapo”, acrescenta Cíntia Moscovich.

Para conhecer melhor a relação do artista e seus cadernos de criação em plena era digital, acompanhe as respostas de alguns deles para as seguintes pergunta:

1. Para que você usa seu caderninho?
2. Quando e como começou a usar um caderninho de notas?
3. Onde você carrega seu caderninho? Que destino dá para os caderninhos lotados?
4. Ele é secreto? Você compartilha seu caderninho?
5. Seu caderninho é de grife? Você tem ou já teve um Moleskine?
6. Você usava diário na infância? Escreve diário atualmente? Alguém leu ou lê seu diário?
7. Você se modernizou? Acredita que o iPad ou similares podem substituir o caderninho?
8. Seus pais usavam caderno de notas?
9. Cite três funções para o caderninho além de escrever (ou desenhar).

MALLU MAGALHÃES – Moleskine já era chupeta. Nasceu junto com a memória. Mallu Magalhães, ou Maria Luiza de Arruda Botelho Pereira de Magalhães, 18 anos, é paulista, virginiana de 29 de agosto, cantora, compositora e instrumentista.

1. Para tudo, anotações das ideias que ficam zumbindo ao nosso ouvido, ou aquelas que vêm antes de dormir, ou mesmo mapas e telefones, contas, lembretes, sonhos... tudo.
2. Desde sempre. Não me lembro da minha existência sem um.
3. Coloco no bolso, ou na bolsa, ou até mesmo carrego nas mãos, se for coberto de capa sintética. Empilho os usados em lugares estratégicos, de acordo com minha vontade de revê-los ou não, ao longo do atelier.
4. Só algumas páginas. Compartilho apenas o indispensável, o lapidado, as frases boas, os desenhos bonitos.
5. Já tive muitas marcas. Lembro a primeira vez em que comprei um Moleskine, nem tinha nas livrarias, com temos hoje. Comprei numa papelaria e achei a coisa mais linda, um preto. Encontrei depois de muita pesquisa e ia lá todo mês, basicamente. Era caríssimo, mas valia cada página e cada passo ao lado dele.
6. Usava... fazia diário, álbum, scrapbook... tudo eu queria colar e cortar, e colar de novo, com alguma coisa em cima... Mas acabei abandonando o diário. Hoje tenho uma agenda que contém minha vida, minhas tabelas, meus planos, sonhos, objetivos, pensamentos, rascunhos de vestido, cenário, poema... E, claro, os compromissos e aniversários, em seus respectivos dias.
7. Não, e não. Apenas ampliei minha escrita, muitas vezes digito um texto já existente no meu blog, ou Twitter ou Facebook. Mas não, não há nada igual ao papel, nem ao lápis, nem ao pó que fica no dedo, nem ao suor que marca a capa, nem ao peso das letras da máquina de escrever. Venho achando, esses tempos, que o digital perde um tanto quanto da vida.
8. Não, minha mãe tem uns cadernos que ela usa para trabalhar, mas não carrega junto.
9. 1 – carregar; 2 – apertar; e 3- dar para alguém.

BEN TOUR – Artista plástico, de origem um pouco inglesa, um pouco irlandesa, um pouquinho alemã e francesa, de 30 anos, morador de Vancouver, Canadá.

3. Quando completos, guardo em uma caixa de armazenamento. Mas eu costumo voltar a eles de vez em quando, quando estou estagnado e preciso de alguma inspiração.
4. No passado, como havia um bom trabalho em muitos deles, eu partilhava os caderninhos entre os amigos. Mas, atualmente, contêm mais notas, arranhões e possíveis direções que eu poderia assumir.
7. Claro que sim. Eu sou apenas barato e prefiro papel. Eu não tenho o iPad, mas se a Apple quiser doar um para avançar o meu processo criativo, por favor, me escreva. Vou testá-lo e talvez converter. O caderno só parece mais espontâneo. Além disso, eu posso jogar o meu sketchbook na banheira e ele só vai parecer melhor.
9. Pintar! Colagem! Eu dobro recortes de jornais e, as imagens encontradas, eu as mantenho em meu caderno quando estou viajando; para a faculdade: na minha graduação da escola de arte, empilhei todos os cadernos abaixo de minhas pinturas, para que as pessoas pudessem ver o trabalho bruto e os exemplos de pensamento. É interessante ver a primeira marca que você faz para o desenvolvimento de uma imagem.

MÁRCIA TIBURI, ou Márcia Angelita Tiburi, nasceu em Vacaria (RS), em 6 de abril de 1970. É artista plástica, professora de Filosofia e escritora.

1. Pra desenhar, pra projetar meus livros, pra diário dos meus livros. Ali eu desabafo dos processos dolorosos da escrita.
2. Xi, acho que nasci usando, mas lembro que eles me ajudaram muito durante reuniões inúteis.
3. Eu levo na bolsa, no bolso, tenho vários que uso ao mesmo tempo. Em geral, escrevo vários, porque tem o do dia a dia, o de cada um dos livros que estou escrevendo (em geral um ensaio e um romance). E tem alguns destinados quase só a desenhar, começa assim, mas depois mistura tudo.
4. Tem os secretos e os do povo. Em geral, gosto que outros rabisquem neles.
5. Tenho vários Moleskines, mas também gosto dos Cíceros. O meu mais chique é um Johnsons and Relatives, que comprei no Il Papiro de Veneza.
6. Tive cadernos que valiam como diários. Alguns eu joguei fora. Minha mãe leu alguns, odiou... Atualmente, não escrevo em diários. Os caderninhos têm o papel de carregar as reminiscências.
7. Jamais. Heresia, loucura, demência! E os diversos grafites? E a diferença da tinta, das pontas, dos riscos praticamente tatuados?
8. Não, só caderneta das contas do mercado.
9. Construir a solidão; tornar-se criança; e guardar a magia que ninguém que não tenha caderninhos entenderá...

EDUARDO NASI – Natural de Porto Alegre (RS), 34 anos, jornalista e publicitário radicado em SP. “Os caderninhos são meu molho de chaves da terceira dimensão.” Conserva notas, cartão de crédito, desenhos e listas sob o elástico.

1. A primeira coisa que eu tenho de dizer é o contexto em que esses caderninhos se encaixam, que, hoje, é um contexto de celular, de blog, de Twitter, de BlackBerry, de netbooks, de Kindle. E aí é muito fácil registrar tanto o que vemos no mundo quanto o que criamos num mundo de mobilidade. Com a tecnologia, dá para fotografar, escrever, fazer anotações em livros, agendar compromissos... Ao mesmo tempo, ainda tenho uma dezena de cadernos em andamento aqui em casa. Não caderninhos: cadernos. Num tem um projeto imenso que estou criando aos poucos. Noutro, com papel mais grosso, tem umas tentativas de aquarela. Noutro tem as anotações de trabalho (eu misturava uma época, até que me dei conta de que o trabalho é regido por uma confidencialidade diferente). Noutro, maior, há desenhos grandes, bem melhores que nos pequenos. Há outro que eu mesmo fiz, com uma capa de papelão e um miolo de papel de rascunho, que era mais rascunhável também. O que os caderninhos são, pra mim, é uma versão portátil desses cadernos maiores e cheios de especificidades. São menores, misturam tudo, não seguem regras.
2. No formato portátil, quando eu vi os filmes do Indiana Jones. Acho que tinha uns 10 ou 12 anos, e o Indiana Jones anotava todas as suas descobertas no caderno, então eu decidi ter um também. Logo descobri que a vida do Indiana Jones rendia cadernos mais interessantes, então, abandonei a ideia e retomei quando estava no jornalismo, naquela ideia de que jornalista sempre tem que ter papel e caneta com ele, não importa onde ele esteja.
3. No bolso, na mochila. Levo até quando vou ao supermercado. Ficam aqui no escritório, com outros cadernos. Algumas páginas de desenho vão pro Flickr.
4. Não é secreto, mas é íntimo. Então, eu não gosto de exibi-lo abertamente a alguém que acabei de conhecer ou que não é muito próximo e, em alguns momentos, hesito até mesmo com gente bem próxima.
5. O atual, por acaso, é e muitos são, porque o Moleskine tem mesmo um acabamento ótimo e um papel de boa qualidade. Uso às vezes caderninhos de museus mesmo, hà vezes em que ganho de brinde. Mas já usei até aqueles caderninhos de armazém bem vagabundos, que custam 1 real.
6. Na adolescência, sim. Mas, em 2001, eu já escrevia muito raramente e aí comecei meu blog e nunca retomei os diários – mesmo que blogs e diários tenham funções bem diferentes pra mim. Oficialmente, ninguém podia lê-los, mas uma vez esqueci no colégio. Nunca ninguém confessou, mas acho que alguém deve ter lido, porque adolescentes não costumam resistir a esse tipo de coisa. De qualquer maneira, meu maior segredo na época era que eu gostava de uma menina chamada Mariane.
7. Eu acho que não o iPad, que tá mais pra cadernão. Mas o celular cumpre esse papel com vantagens. Mesmo nos modelos mais simples, milhões de pessoas registram seu cotidiano com fotos, SMS, anotações, músicas, gravações... É diferente, é outro registro, mas tenho a impressão de que o celular assume, sim, as funções emocionais de um caderninho: registra a vida, permite criar, está sempre por perto, é meio companheiro. Pensando assim, nunca houve tanta gente com caderninhos – alguns deles só mudaram de formato. Aliás: será que é coincidência que os caderninhos de papel estão tão em moda?
8. Que eu saiba, não.
9. Ah, eu uso até como carteira, pra levar um pouco de dinheiro, identidade e um cartão de crédito naqueles bolsos que alguns cadernos têm no fundo. Também como porta-cartões. E pra guardar ingressos de cinema.

L. FILIPE DOS SANTOS – O “Corcoise”. Nasceu no verão de 1978 em Portugal e cresceu em área rural. Passou por Madrid, voltou a Lisboa, onde está. Aos 16 anos, começou a desenhar para expressar-se ou expressar alguma coisa. Esqueceu o que queria expressar, mas segue desenhando.

1. Uso, na maior parte das vezes, para desenhar apenas. Sempre que me aborreço (enquanto aguardo um transporte público, sobretudo), pego num lápis, abro o meu caderninho e entretenho-me a esboçar algo descompromissadamente, apenas para passar o tempo. Mas, além de desenhos, também se pode encontrar nele uma amálgama de notas: desde listas de compras a cifras e acordes de guitarra, passando por um sem-fim de poemas medíocres.
2. Não consigo lembrar com exatidão, mas desde muito novinho. Arriscaria dizer que desde os meus 11 ou 12 anos. Lembro-me de que os cadernos, que supunha serem usados para anotar as matérias que aprendia na escola, eram vergonhosamente devassados por desenhos de super-heróis e monstros (muitos deles suspeitosamente parecidos com alguns professores meus).
3. Ando sempre acompanhado por dois ou três caderninhos e um monte de lápis de cor, seja em casa ou na rua. A maior parte deles acaba arquivado num cemitério de caderninhos, muitos não abro faz anos.
4. Em muitos casos, creio que deveria ser secreto, porque, por vezes, podem ser encontradas coisas bastante pessoais, mas, como tenho pouca vergonha na cara, acabo mostrando sempre a toda a gente.
5. Curiosamente, apesar de nunca ter comprado nenhum, possuo já uma respeitável coleção de Moleskines. Há sempre alguém que me oferece algum pelo aniversário ou Natal. Mas eu próprio prefiro comprar outras marcas bem mais baratas, porque, assim, não sinto o peso da responsabilidade de preencher cada página com algo realmente digno de lá ficar registrado.
6. Aquilo que se considera um diário de verdade, acho que nunca tive. Sou demasiado torpe ou impulsivo para manter a organização que um diário exige. Apesar de usar diariamente os meus caderninhos...
7. Até agora ainda não possuo nenhum desses objetos modernos, mas ficaria muito feliz se no próximo Natal alguém se lembrasse de me oferecer um iPad, em vez de mais um Moleskine. Contudo, pelo menos para mim, jamais iria ser um substituto de um caderninho.
8. Sim. Aliás, o meu avô já usava. Mas apenas como acessório das suas respectivas profissões.
9. Gosto muito de fazer origamis. Frequentemente, rasgo uma página para me entreter dobrando um animal qualquer de papel. Também uso muito os meus caderninhos para secar e arquivar folhas de plantas. Mas, muitas das vezes, a melhor função dos meus caderninhos é tornar numa mesa estável uma mesa com uma das pernas mais curta.

Revista da Cultura
Ed. 39
Outubro de 2010

Um comentário:

  1. Muito boa a matéria. Não sabia o nome desse caderno com a tira de elástico, o moleskine. Nem sabia que tinha nome específico..rs..
    Preciso andar com um caderno. É essencial pra se perder nas ideias.

    Abraço!

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