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domingo, 5 de abril de 2009

Do Boicote


Paula Rego
[
Dancing Ostriches (triptych).
1995, Pastel on paper mounted on aluminium]

A família prescreve que é bom que se atenda a um concurso público. O indivíduo também pensa assim. Apesar de inteligente e estudioso, por mais que se dedique, não consegue a vaga.

O empregado que desconhece a pontualidade no emprego, não sabe o que acontece – apenas não acorda.

O marido que mais uma vez esqueceu o aniversário de casamento.

A mulher que simplesmente não consegue deixar de comer pizza durante sua dieta – não consegue emagrecer.

A tudo isso, ao exercício da vontade não-autorizada, chama-se boicote: é assim que ele passa a ser o agente. O insucesso ganha uma origem que, mesmo sendo obscura, isenta o fracassado. A vitimização é a maneira de tornar legítima a falta de responsabilidade sobre os fatos.

Ter medo do boicote é crer numa entidade maléfica própria que impedirá as boas intenções. Isso não é verdade. A desautorização acontece pela falta de liberdade de pensamento; pela amizade pobre do sujeito consigo mesmo; pela avaliação de vontades através de critérios. Em suma: é a arrogância de quem julga o que deveria estar sendo desejado e o que não deveria.

Cumprir um desejo sem assumi-lo não ajudará sua execução. Ele sairá mal acabado, improvisado e sem compositor. Os rascunhos também devem ser assinados.

Consideração no tratamento é, antes de tudo, assumir que a pessoa atendida é a guia; e não o desejo de quem a atende - o que o terapeuta imagina para ela. Ainda, é saber que a moralidade não pode superar a ética; que a realidade é imperadora. Caso contrário, será chamado boicote sempre que alguém age diferentemente do que se espera. É não perceber o que foi satisfeito.

A Resistência ao Tratamento, por exemplo, que alguns chamam boicote da terapia, por este prisma, fica assim:
quando quer melhorar, a pessoa aprende a dançar com seu terapeuta. Quando quer e não quer ao mesmo tempo, dribla. Quando não quer, abandona.

Ver é mais importante que ouvir.

Ajudar a assumir o que faz é a estrada principal de qualquer tratamento. Capaz de inventar-se, a pessoa assume suas vontades. Faz o que quer – inclusive não cumprir o desejo. Ela se habilita a tentar ser o que é da melhor maneira que conseguir.

Boicote não existe. Existe um querer que não se aceita; que não se oferece defesa, que não se ajeita raciocínio ou desenvolve pensamento. O desejo precisa de olhos emprestados. Com o peso do receio, qualquer apetite naufraga na sombra e é compelido a tatear seu caminho para o exterior.

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