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domingo, 12 de setembro de 2010

Funcionária do Mês


Marc Johns' Suit with Antlers
at http://www.marcjohns.com/


Quando tinha sete anos, me imaginava bancária aos 30.

Fazia da escada de metal um guichê. Gastava horas computando valores inventados. Registrava números numa fantástica calculadora com bobina de papel. A matemática era um teclado com sons eletrônicos. Brincava de DJ dos números. Prestativa, atendia os ursinhos carinhosos, o pequeno Poney e a Barbie. Solucionava o problema da hipoteca da Moranguinho. Fui condecorada “funcionária do mês” e minha foto parava na entrada do quarto.

A segunda opção seria virar estilista. Andava com almofada no bolso cheio de alfinetes e agulhas, controlava as barras das pessoas. Fingia ouvir os tecidos dos retalhos que minha mãe colecionava e desenhava croquis divinos em minutos. Tinha até assistente: uma boneca Xuxa quase da minha altura. Ela era péssima e por isso brigávamos tanto.

Aos 30, já teria filhos. Estaria casada com um Antônio. Qualquer Antônio. O importante é que fosse Toni, apelido que eu julgava sensacional.

Aos 30, varreria a sujeira com capricho, prepararia as crianças para a escola.

Aos 30, eu me tornaria uma mulher praticamente velha. Meus pais cumpririam papel de avós dedicados, numa casa azul de dois andares, em que passaríamos o domingo comendo churrasco entre irmãos, primos e seus netos.

Cheguei aos 30 anos. Tenho cara de não mais que vinte e poucos. Não casei, não tenho filhos. O único nenê que temos em casa está com três anos e é minha irmã. Meu pai não é avô, mas pai de novo.

Sou médica, empresária e comunicadora. E muitas outras coisas que não têm título.

Diante da vertigem e do abismo entre o que esperava aos sete e o que de fato aconteceu, percebo que a frustração é superestimada. Complicado é definir como as coisas deveriam ser e, ao mesmo tempo, nos acharmos capazes dessas suposições.

O fato é que sabemos muito pouco do que nos faz feliz de verdade. Descobrimos apenas depois que acontece. Somos lentos.

Por mais absurdo o raciocínio, fazemos isso o tempo inteiro: prevemos como deveria ser o casamento, como os filhos deveriam se comportar, como nosso corpo deveria estar. Embora essa seja justamente a gênese da frustração, parece que vocação é linha reta. Não mudar de ideia. Confundimos sonho com obsessão. Felicidade consistiria em seguir sempre com algo que desejávamos lá atrás e não alterar o caminho sob hipótese nenhuma para mostrar coerência. Coerência é aceitar a transformação, não se fixar em credos.

Não há motivo para lamentar. Não posso apagar a infância. Fui realmente bancária e estilista aos sete anos. Para quê outra vida se posso toda hora mudar a minha?


Crônica Falada na Rádio Ipanema FM
31.08.2010
Programa Talk Radio
com @katiasuman

14 comentários:

  1. Engraçado Cinthya...
    O bom é que você já foi muita coisa durante seus 30 anos de vida e o fato de nao ser hoje o que vc se imaginou na infância não significa frustração alguma!!!
    Abraçoss!!!

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  2. É verdade. Por que se frustar se podemos nos reinventar o tempo todo. Lindo mesmo é essa possibilidade de poder ser muitas, e pelo pouco que vejo de vc, és competente nessas muitas que vc se tornou.

    Parabéns pelos 30! E que vc nunca deixe de sonhar em ser outras tantas!

    Feliz dia!

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  3. ótimo.
    as vezes nos esquecemos que podemos mudar a nossa vida.
    e aí, as pessoas que se esquecem disso por muito tempo, ficam chatas, se acham vítimas.
    por isso acho sempre bom lembrar.

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  4. Que lindo, me identifiquei demais.... já quis ser estilista, atriz, nadadora e escritora quando criança, fui crescendo e quis fazer publicidade, hotelaria e jornalismo. No colegial fiz técnico em Gestão Empresarial porque queria ser uma empresária que usa tailleur e assina papéis o tempo todo com aquela cara de séria porém sensual... no vestibular prestei direito, queria ser juíza da vara de família... no fim, depois dos 18 comecei a trabalhar e fiz meus primeiros piercings e tatuagens e percebi que são coisas que não sei mais viver sem... Agora sou body piercer e é o que eu me vejo fazendo até velhinha... mas é claro que até lá ainda dá tempo de ser cantora, dançarina...

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  5. Cinthya....amo tuas crônicas!!!!gabi - caxias do sul/RS

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  6. Cínthya,

    Sempre tão bom saber que pessoas pensam como você. E quem nem só eu fiz 30 anos este ano. beijos.

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  7. Adoro teu jeito ousado e realista de escrever Cinthya, eu tb não sou o que sonhava ser qdo pequena, algumas frustrações no decorrer da caminhada, mas nada que hoje eu possa me arrepender.
    Bjos, sucesso sempre para vc.

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  8. Nossa, és excelente! Amo ler o que escreves. Minhas visitas à BoucheVille são sempre profícuas e renovadoras!! Abraço!

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  9. "Para quê outra vida se posso toda hora mudar a minha?"

    Será, menina? Isso é tanto a minha essência, mas anda me faltando coragem... Ir chegando aos trinta também tem isso de enxergar que a estrada não é infinita como parecia aos sete e que os recomeços têm consequências, às vezes, muito mais graves... ando com uma meda!

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. ser adulto é mto diferente do q eu imaginava quando era criança. na época eu achava q todo mundo com 25anos tinha a vida toda feita (e eu também teria)... casamento, filhos, profissão, tdo já estabelecido e organizado... tudo no lugar... como se as coisas fossem assim simples... e um dia a gente ficasse estático, não mudasse mais tanto... inocência.

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  12. ps. gosto mto do q vc escreve. li o matando carpinejar todo... é mto bom. =)

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