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domingo, 3 de junho de 2012

PATINS NUNCA SERÃO BOTAS

Arte de Cínthya Verri

“Olá, tudo bem?
Tenho 18 anos, estou morando sozinha em outra cidade. Gosto do meu namorado, mas sou a fim de sair, ficar com outros caras. Comecei a namorar cedo, e não aproveitei a vida de solteira. Ultimamente, ele não está dando motivos para brigas, mas quero terminar, conhecer novas pessoas. Só que tenho medo de me arrepender e acabar voltando.
Muito obrigada. Beijos, Camila”

Querida Camila,

Não ama mais seu namorado. É como transformar o par de patins em botas. O que deslizou um dia não serve para andar. Quem tenta caminhar com patins tropeça. O amor não caminha, corre. O amor pede mais do que amizade.

Já começou a arrumar atenuantes, a levantar prós e contras se vale ou não a pena continuar. O segredo dos dois virou plebiscito entre os amigos, novela com torcida organizada. É triste, o envolvido é sempre o último a saber.

Quem faz balanço abandonou a relação. Para amar, não precisamos de motivos. Só dependemos de justificativas para nos separar, reparou? Quando amamos, o mundo pode estar contra nós, que inventamos um jeito de ficar juntos.

Está decidida a romper e não sofre nenhum arrependimento. Projeta uma vida diferente e mais excitante. Seu medo é conversa da boca para fora. Deseja apenas sair com a imagem de boazinha, busca um modo de confessar o fim e não parecer injusta. Não tem como agradar dizendo adeus. Não há como ser educada na despedida. O rompimento é brusco e gera mal-entendido. Assuma a responsabilidade de terminar a história. É uma morte afetiva, um luto – é previsível o desencantamento de seu parceiro com você.

Seu namoro entrou naquela fase da mendicância: demonstra uma preocupação falsa que lembra generosidade. Cada dia com ele é uma esmola, mais preocupada em manter a aparência do que recuperar o arrebatamento. Até a separação perdeu a graça. Até brigar.

Hora de conversa séria, e não mais se aproveitar da carência dele.

Abraços com ternuras,
Fabrício Carpinejar





Querida Camila,

Não é um impasse, mas teimosia. Dúvida não há: ficamos evitando aquilo que já se decidiu. Escolher não é questão de força, mas de rendição, de humildade. Escolher é ganhar a paz de tentar, é aceitar que não pode mandar nos acontecimentos. Ninguém tem espiões do futuro. Ao contrário, o futuro determina o valor do que nos aconteceu. Sua demora é a vontade de ser perfeita; ânsia de empreender a própria vontade, mas ainda assim agradar aos outros.

É a primeira vez que chega ao fim de uma história, natural se sentir assustada. O que talvez não adivinhe é que isso não muda com o tempo – sempre difícil alterar um destino. Vai ser triste para você, para ele e para os outros. Verdade que ninguém quer ver a separação: nem parentes, nem amigos. A gente tem alergia a transformações – as conversões nos arrepiam, afinal, elas são o atestado de que o tempo passa para todos.

Atingimos o centro nervoso desse falatório: não há como terminar sem doer. Não há como seguir sem desgastes. Ele não será mais seu namorado nem a família dele será mais sua. Alguns amigos não vão permanecer. São custos a arcar: é o que não está pretendendo admitir.

Ao insistir para não perder nada, coloca tudo a perder. Torna-se insuportável até mesmo a amizade: é uma esperança amarga. Transferir a responsabilidade para o cansaço é uma derrota perigosa. Este seria o desfecho mais temível depois de um romance como o de vocês. Não arraste o fim. Tenha coragem e interrompa o perfeccionismo de seguir com quem não deseja. Preserve o passado dos dois.

Muito mais digno do amor que já tiveram.

Beijos, torcendo por sua bravura,

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 03/06/2012 Edição N° 17089

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