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domingo, 24 de junho de 2012

QUANDO A FAMÍLIA NÃO GOSTA DO SEU NAMORADO



Arte de Cínthya Verri

"Tenho 27 anos, o Ivan, 30. Temos pontos de vista divergentes sobre a vida. Sou racional, ele espiritualizado. Minha mãe não aprova o namoro. Vocês acham que um relacionamento com problemas familiares pode dar certo? Obrigada.
Um abraço, Luciana”

Querida Luciana!

Oposição de pais fortalece o namoro (já de filhos de outros casamentos enfraquece). Esta é a lei.

Deve aproveitar a vantagem. Se sua mãe o admirasse, teria a sensação de não ser sua escolha. Agora tem certeza: não foi influenciada, pressionada, chantageada a se envolver. Ivan é resultado unicamente de seu gosto, por mais que seja diferente.

A adoração do genro apenas atrapalha os casais, cria dependência, embaralha papeis de namorado e de irmão, não faz bem à fantasia. Quando a mãe e o pai conversam com seu namorado com a naturalidade de um filho, o romance naufraga – transmite sensação de incesto. Só falta ele receber mesada.

A resistência maternal ajuda o amor. Quando ela reclama, é obrigada a defendê-lo e assim encontrar pontos positivos. A mãe estimula sua memória amorosa, incita a reavivar cenas prediletas e legendar momentos especiais.

Imagina se ela elogiasse o rapaz: você não suportaria o ciúme e falaria mal dele. Nem mais estariam juntos.

Divergências, são sadias. Tenho receio de quem vive concordando, prova de que não escuta até o fim.

Não confie nas aparências. Paz pode ser ausência de vontade, harmonia pode ser surdez. Quem discute confia que o par merece conhecer suas ideias, partilha do desejo de se apresentar e ser compreendido.

Você e Ivan não têm preguiça de se expressar, entrar em detalhes e varar a madrugada em tribunas acaloradas. É uma virtude, não um defeito. Contrariar gera trabalho, suscita paciência e delicadeza. É magoar e logo fazer as pazes, é combater e logo pedir desculpa. Considero o debate a maior prova de admiração.

Ser apaixonado por si é a receita para amar o outro. É constrangedor não dizer o que se acredita por preguiça ou cansaço. Omissão nunca será silêncio.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar








Querida Luciana,

Posso responder sua pergunta com um argumento direto no queixo: é insuportável sermos tão diferentes uns dos outros. É o verso de um poema de meu amigo Paulo Sérgio Rosa Guedes. Seria óbvio caso pudéssemos enxergar a multiplicidade tanto quanto ela acontece – ou seja, o tempo todo.

O mais bonito é a diferenciação, a capacidade de nos personalizarmos. Como é atraente quem sabe desenvolver a própria personalidade! Ao mesmo tempo, é o mais difícil na hora de viver junto. Pouco sabemos conviver sem comparar. Queremos medir, decidir quem é melhor, superior.

Sábio Shakespeare quando escreveu seu Romeu e Julieta. Todo relacionamento amoroso acontece, no fundo, entre um Capuleto e um Montequio. Nossa família com certeza é melhor que a do outro. Você diz que as diferenças estão na criação dos dois, que sua mãe não concorda com o modo como ele se expressa e você... Bem, você faz de conta que não discorda, mas insinua que ele poderia falar seus pontos de vista de um jeito assim, mais delicado, mais sutil, mais parecido com o que pensa ser adequado.

O amor acontece só depois que o sobrenome deixa de ter importância. Ademais, ninguém está aqui para atender às suas expectativas.

Agora, a boa notícia: você não está aqui para atender às expectativas de ninguém. Veja que troca justa. Cada um faz aquilo de que necessita e se responsabiliza por isso.

Viver a dois pode ser maravilhoso, mas a condição central é a de aceitar o outro como ele é. Parece clichê. Mas é tarefa árdua que merece toda nossa atenção. É não exigir nenhum milímetro mais para cá ou mais para lá. O respeito não aceita meio-termo.

Beijos meus,
Cinthya Verri


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 23/06/2012 Edição N° 17110

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