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quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Paixão sem Remédio

A primeira vez que busquei ajuda, fui à psicanalista. Já me acompanhava dela há cinco ou seis anos; e ela me recomendava mais e mais encontros com ela para poder ter mais espaço para ver e elaborar todas aquelas coisas.

Depois de eu estar totalmente reformada, organizada, nutrida macrobioticamente, ter deixado o cigarro há mais de dois anos, estar trabalhando ininterruptamente e estudando como uma viciada (e andando em um manequim 36), eu tinha apenas um sintoma restante: chorava. E não sabia o porquê. Chorava a qualquer hora, sem razão aparente. E aquilo não podia continuar assim.

Recomendou-me ao psiquiatra. Isso muito antes de eu tentar me tornar uma. O psiquiatra, muito gentil e afável, recomendou-me pílulas coloridas, de manhã e à noite. Isso interromperia o choro, com o efeito colateral de aniquilar-me a capacidade criativa. Perda mínima, naquele caso. Apenas não escrevi uma única linha poética e não mais toquei em meu violão e também não compus uma única música nos três anos que se seguiram. Passou o choro, a análise seguia profunda, nunca questionei ou interrompi a medicação. Depois, ele me prescreveu comprimidos brancos, bem pequenos, porque eu não mais chorava (por motivo nenhum e por nenhum motivo) mas não conseguia me concentrar – a atenção estava se dispersando. Com os branquinhos, passei a render mais ainda! A atividade física intensificou-se, sentia-me disposta a correr às 4h da manhã, a alimentação, cada vez mais rígida. Passei a usar manequim 34 e desenvolvi um sistema controlador da minha alimentação chamado anorexia. Esse sistema perdurou comigo por dois anos. Eu perguntava para minha analista quando é que a vida começava. Para que eu fazia tanta preparação...?

Na terapia de família ouvi, pela primeira vez, que o violão podia ter sido uma habilidade lúdica de elaboração. Primeiros ‘glimps’ que tive da vida inconsciente.

Depois encontrei a instituição total. Como trabalhar lá era absolutamente insuportável, penetrante e patológico, eu adoeci mais. E continuava perguntando para minha analista, quando é que eu começaria a viver?

Um dia, ouvi de um tal curso em psico-análise, que passei a freqüentar com o acaso. E foi por ali, que me distraí e caí na vida. Não sei bem se foi o clima, a cor do tapete, o sentar-me no chão, o livro das mulheres que corriam com os lobos, a meditação dinâmica de Osho, os grupos com a Christiane e o amor que ela e sua família me deram. Não sei se foram as conversas com o Paulo Sérgio, com a Neneca ou a Eli. Não sei se foi morar um tempo com meu melhor amigo. Mas um dia, eu larguei a medicação. Pintei uma camisa branca, com a frase: “ser melhor o que se é, é melhor do que ser melhor do que se é”. E mesmo a frase estando ‘errada’, porque era: “ser melhor o que se é, vale mais que ser melhor do que se é”, aconteceu daquilo ter ficado muito bonito. Depois, arrisquei-me ao violão. Então, já nem sei mais. Eu me fui vida adentro, com música, poesia, literatura e paixão – muita paixão. Apaixonei-me perdidamente, sangrei de verdade. Foi lindo viver Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa, Caio Fernando Abreu e Clarice (ah) Lispector. Ficou lindo de viver.

Como é que se faz para se curar de doença mental? Não sei. Para cada um é um processo diferente. Incluiu, para mim, gozar de verdade e muito; ter coragem de ter prazer; aceitar a presença contínua da morte e minha polegarice diante do mundo e da galáxia (sou um pixel); tocar meu violão e cantar; pintar de vez em quando; escrever muito; desenhar no paintbrush; falar bobagem e rir das bobagens todas e de mim mesma. Também, descobrir que sou viável no mundo como sou porque sou muito desimportante; acompanhar as pessoas e me envolver diretamente com elas e, com cada uma, ter uma vida.

E de viver dentro da vida, de atender ao chamado da minha alma e vir escrever agora, seis da manhã, de ir ao teatro e ao cinema e realmente ir lá sentir as coisas, de chorar com e à vontade (pelo menos uma vez por dia, quando dá) e de ir criando a minha vida só para mim, eu fui gostando cada vez mais desse troço de viver.

Prescrevo aos meus pacientes medicação, meditação, desenhos, trabalhos com argila, chiclete, balas e pirulitos, brincar de roda, cantar no chuveiro e expor-se amorosamente. Prescrevo que acreditem em si mesmos e que tentem se tornar quem são continuamente. Amo-os incondicionalmente, como a todos que consigo. Odeio também e sinto raiva às vezes de esperar, de ficar com fome quando não dá tempo de comer ou de dormir, de outras coisas e das injustiças. Depois passa e eu acho que é da vida (é a pimenta). Quando saio de mim, busco-me de volta. Especializei-me na minha arte de viver bem e algumas pessoas se ajudam através de mim.

Louca, eu? Pois digam o que quiserem. Isso passa. Também eu vou passar. E logo, como tudo o mais. Vou seguir tocando as gentes e as coisas.

É que, viver com paixão, para mim, ficou imprescindível.

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