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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Roland Barthes

Recebi de meu amigo Fabrício o reconhecimento que ele fez de alguém. Antes, esse alguém era de cada um de nós, agora é um amigo em comum - Roland Barthes:


"MONSTRUOSO. O sujeito se dá conta bruscamente que ele envolve o objeto amado em uma rede de tiranias: ele se sente passar de miserável a monstruoso.

Platão

1. No Fedro de Platão, o discurso do sofista Lísias e o primeiro discurso de Sócrates repousam todos dois sobre este mesmo princípio: que o amante é insuportável (pelo peso) ao amado. Segue-se a lista de traços importunos: o amante não pode suportar que alguém lhe seja superior ou igual aos olhos de seu amado, e trabalha para rebaixar todo rival; ele conserva o amado afastado de uma multidão de relações, ele se emprega, por mil astúcias indelicadas, em mantê-lo na ignorância, de modo que o amado só saiba o que lhe chega através de seu apaixonado; ele deseja secretamente que o amado perca aquilo que tem de mais caro: pai mãe, parentes, amigos; ele não quer para o amado nem filhos nem lar; sua assiduidade diária é cansativa; ele não aceita ser abandonado nem de dia nem de noite; apesar de velho, ele age como tirano policial e submete o amado o tempo todo a espionagens maldosamente desconfiadas, enquanto que ele mesmo não se impede absolutamente de ser mais tarde infiel e ingrato. O coração do enamorado fica, pois, cheio de maus sentimentos, o que quer que seja que ele pense: seu amor não é generoso.


2. O discurso amoroso sufoca o outro, que não encontra lugar algum para sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer deslizar os pronomes: “Eu falo e você me ouve, logo nós somos” (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável), me vejo transformar em coisa obtusa, coisa que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam).

Me enganei, monumentalmente".

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO, Roland Barthes

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