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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Alma Titereira



Sofro com a falta de pressa da contrariedade.

Admiro muito aqueles que têm raiva em espícula, como um agudo de gráfico que imediatamente após o ápice começa a despencar; aqueles que reconhecem de imediato o descontentamento e precisamente em relação a que.

Eu, não. Eu sofro com o comprimento da curva de Gauss do desgosto.

Sinto que há coisas que não são como eu quero, mas nem sei exatamente quais. E meu aborrecimento é lento.
Fico até constrangida com o quanto sou mimada por mim mesma.

Hoje de manhã, por exemplo, sequer queria sair da cama. Não só aflita do cansaço de noites sem dormir, de festas dezembrinas seguidas por trabalho de manhã cedinho:
- era um estado de avesso.

Aliás, eu não sou do tipo que cansa junto com o corpo. Meu espírito é um titereiro. Fico bem energética, mesmo quando só é possível mover-me arrastando as pernas onde um dia habitaram as forças. Mas hoje de manhã, exemplo típico: acordei por dentro somente ao receber uma notícia que tornava os eventos mais similares ao que eu esperava. Antes, jazia num corpo mumificado. Sequer tinha revelado a foto da inércia pelo descontentamento. Depois do telefonema, impressionante: eu estava em inauguração, o cansaço foi exorcizado e o encosto da preguiça, expulso.

Acho espantoso como podem ser voláteis os estados de humor. Eles têm cores diferentes, gosto de frutas, cheiros variantes. Estações climáticas com diversas combinações. Posso ser quente, com pancadas de chuva no meu inverno matinal, seguida de primavera floral incandescente ao meio-dia e sol equatorial à noite. Vai saber? Eu acompanho, mas minhas previsões meteorológicas costumam ser precárias.

Até porque, sempre pode acontecer de ficar contrariada.
Aí fechou o tempo. Gris. Não é como uma chuva de verão. É o vento trazendo obscuridades, elas se aglomerando nas vistas, um tendéu de tanto negrume.

Só melhora quando me descortino a desforra.

Dá trabalho. Em geral, reservo como em uma receita de bolo, o meu estado contrário. Vou lidando com o molho. Deixo as claras empilhadas, estáticas, olhando pra mim. Quando sinto que a temperatura está mais amena, misturo as nuvenzinhas de ovo ao resto. Aí pronto: dissipam-se aumentando o volume e dando estrutura ao resto.

Claro que penso que os eventos vão-se revelar numa combinação que eu não esperava e que isso pode ser mágico; que esse avesso do desejo é só uma frustração; ou ainda: como é que ouso pensar que eu é que sei como é que tinha que ser?

Ô, arrogância.

Tudo isso eu digo pra mim.

Mas eu sou um mistério.

Só depois que me invento explicação é que fico melhor.

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