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domingo, 19 de agosto de 2012

MACUMBA NA ESQUINA DO QUARTO



Arte de Cínthya Verri

“Olá, tenho 31 anos, me envolvi com um rapaz que saía de uma relação. Carinhoso e atencioso, me fazia acreditar que estava realmente envolvido. Me sentia querida e desejada. Um mês depois, ele reatou o relacionamento anterior. Dizia gostar de mim e estar indeciso. Pode ele ter fingido tudo? Beijo, Janice”.

Querida Janice,

Homem não pensa, emenda relacionamentos. Quem pensa é a mulher, que se dispõe a morar sozinha após longa convivência.

Separação, para o homem, é férias. Separação, para a mulher, é luto.

Ela faz o certo que é se recuperar da simbiose e trocar devagar os vínculos. Experimenta uma espécie de desintoxicação da personalidade. O fim do amor não é somente dividir os objetos e colocá-los numa caixinha, mas realizar a partilha emocional, bem mais demorada: que consiste em refinar a memória, as virtudes e os defeitos.

A figura masculina tem o estranho hábito de sair de um casamento direto para outro. Uma prova dessa mentalidade é que confunde o nome de sua companhia com mais frequência do que a mulher.  Troca porque nunca teve tempo para absorver a mudança.

Quando não cola amores, rompe, namora um pouco para logo voltar atrás. O namoro ou o caso extraconjugal seria seu período de reflexão.

Foi o que aconteceu. Ele espiou a vida lá fora com você, se valia a pena permanecer ou não com a antiga namorada.

Seu rapaz encantador, portanto, não fingiu. Nem cabe se sentir usada – ele não agiu com deliberada consciência.

Realmente arriscou uma nova combinação, foi feliz, mas faltou solidão (que gera independência) para superar a vida passada.

Eu pensaria diferente: não foi você que ele não escolheu, ele nunca abandonou a ex. Estava sob o domínio dos hábitos e fetiches anteriores. Era um intervalo, não um recomeço.

Evite partidos que recém se separaram. É casca grossa: deve ter estômago para aguentar as macumbas na esquina e as assombrações no quarto.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Janice,

A maior fonte de alegria para uma pessoa é outra pessoa. Quem me disse isso foi Vicente Cecim, querido amigo e escritor. Penso nisso quando leio sua carta e percebo tanta saudade do que sentiu durante essa relação. Foram intensos e caros momentos. Estiveram envolvidos de maneira sincera. Quando a paixão é plena, ela não sabe ser unilateral. Ninguém sente isso sozinho.

Disse que ele era encantador, mas quem é ensolarado brilha para todos. Nunca houve exclusividade na ternura e o eco atrai fantasmas: talvez você desconfiasse dessa generosidade de afeto; e a insegurança cresce com a ausência.

Você queria que ele fosse seu. Ele foi, mas isso parece não bastar. Você se sente enganada; traída pelo futuro que ele quis diferente. Está faltando compreender que a guerra não exclui a paz.

Ele saía de uma relação complexa e anterior. Isso não era segredo. Nem é mistério para ninguém a força que o hábito exerce sobre nós: como é difícil mudarmos nossos costumes! Montamos a cozinha como era a de nossa mãe. Acordamos um dia, e os panos de prato estão na terceira gaveta. O que não é pensado acaba repetido.

É uma questão econômica. Há toda uma rede de adaptação envolvida: alto investimento é feito quando nos unimos com alguém. Essa estrutura cobra seu preço na hora da separação. Quanto maior o tempo, mais caro sai. Não que seja impossível, nada é; nem que não seja necessário, muitas vezes é a única maneira.

Chegou a sua vez de ir adiante. Leve na mala a sua competência de gostar, ela está comprovada. O resto fica por conta do acaso.

Beijos meus,
Cínthya Verri

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 19/08/2012 Edição N° 17166

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