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domingo, 5 de agosto de 2012

[Quase Perfeito] NUNCA NAMOREI


Arte de Cínthya Verri

“Olá, Boa tarde! Sou estudante e tenho 29 anos. Nunca tive namorado, vivo apaixonada por um ou outro, mas sempre platonicamante, nada de concreto. Até rola uns amassos, beijos na balada, mas nada além disso, sei que sou um pouco exigente em relação a homens, não saio com qualquer um. Mas me considero uma pessoa "liberal", não gosto de hipocrisia. Será que o problema é comigo? Beijo Stephane”

Querida Stephane,

Não noto nenhum problema, vejo que você absolutamente não deseja namorar. Não é exigente, mas excludente. Exigente é o que avalia as possibilidades e tenta, mas você descarta as hipóteses antes de experimentar.

A paixão platônica é um modo de manter o desejo ocupado e não ser importunada pelos apelos da realidade. Como deseja um sujeito em sua imaginação, não pode se interessar por um homem próximo. É uma fidelidade de faz-de-conta, que elimina o trabalho de conhecer alguém de verdade. 

Namoro é ensaio, é pisar no pé para roçar as pernas, chutar o ar para criar nova dança, é cometer gafes e rir e se atrapalhar. Todo apaixonado é gago, confuso, estranho, de péssimo desempenho social. O amor vai perdoando o nervosismo pela vontade de aprender diferente.

Para que aconteça o namoro, deve errar. O primeiro passo para namorar é fracassar, desativar os alarmes de proteção, esquecer o que sabia sobre o amor. Por isso as bebedeiras são os melhores cupidos.

Namorar é oferecer a chance para aquele que não atende às nossas expectativas. É romper a idealização e ampliar nossa curiosidade sobre o mundo.

Enquanto esperar o par de fábrica, Cinderela, ficará descalça.

Mas entendo que sua rejeição é preventiva. Tem medo da avaliação alheia. Não se gosta, não se acha ideal e acredita que qualquer um sentirá a mesma aversão. 

Aceita ficar na balada desde que não desenvolva amizade no dia seguinte. Elimina o contato para não ser recusada depois. Você, certamente, não deseja namorar consigo.

A pergunta é outra: o que considera em si abominável a ponto de fugir da convivência amorosa?

Abraço com todo afeto,
Fabrício Carpinejar










Querida Stephane,

Na hora da sentença, como era seu mórbido costume, o General Persa ordenou que o espião fosse trazido para conversa reservada:

— O que quer: a porta preta ou o esquadrão de fogo?

O prisioneiro hesitou, mas logo disse que preferiria o esquadrão de fogo.

Tiros indicaram que a sentença fora cumprida.  O ajudante questionou:

— O que existe atrás da porta preta?
— A liberdade — respondeu o general —e poucos foram os homens que a escolheram.

Que bonito, Stephane, que se abra para falar conosco. Isso, por si só, mostra sua curiosidade em paquerar com novas possibilidades.

Mas querida, cada um tem seu conceito do que é ser liberal. Quase três décadas de sua vida se passaram e ainda não teve nenhuma relação física importante com alguém. Claro que selecionar pode fazer diferença, mas talvez esteja passando do ponto. Desconfiar é tão legítimo quanto confiar em si.

Com essa peneira tão fina, acaba fechando a luminosidade. Você está se privando de experiências enriquecedoras. Não que seja essencial, veja por você mesma, a vida continua. Mas é certo que a intimidade nos ensina muito.

Será que esse não é um jeito de se tornar especial — enquanto todos se estrebucham em atritos e confusões emocionais, você paira sobre a nuvem, intacta, voando no tapete mágico do amor platônico?

É possível que essas paixões nunca tenham avançado, não por sua desconfiança sobre os parceiros, mas pela incerteza sobre a sua própria capacidade de amar.

É uma abertura diferente daquelas que você já experimentou, inclusive sexualmente. Talvez essa entrega ainda dependa de querer a liberdade a dois. Amar é a coragem de desconhecer.

Beijos meus,
Cínthya Verri
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 05/08/2012 Edição N° 17152

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