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sábado, 5 de julho de 2008

Dentro da cabeça dela iam os pensares, quase que escatológicos, sem dúvida, inúteis - como todo pensamento é
(Radical? Nada. A escatologia mental é um redemoinho de criações feitas de passado, são reconstruções em patchwork do digerido).
Sim, sim, não esqueçamos: o pensar é sempre passado, sempre morto. Não percebe? Como que pensaria sobre aquilo que ainda não veio? Vai imaginá-lo com o que já tem dentro da cabeça, por isso o novo é tão surpreendentemente novo.
Pois a cabeça dela ia cheia desses cacarecos velhos, quando toca a campainha. Abre e... adivinhe? O novo. Claro. Sempre abre a porta e é o inesperado.
Quando não vemos o inesperado é porque estamos pensando e pensar é necessariamente não ver.
Ela, Rapunzel. Mas olha que é Rapunzel por gosto, isso não tem nada de prisão.
Ela explica que não gosta de meio termo.
'Quer cancelar o pedido?'
Pois, faça o favor.
Ela trabalha como atendente na pizzaria e às vezes faz a cara do desgosto.
O cara acha que ela não nota, mas ela sabe que ele não quer deixar de ser deus. Ah, sim, porque 'dizer' é deixar imediatamente o posto do divino. A divindade não se pronuncia. Em silêncio, o cara se mantém incólume. Aliás, intocado e não-vivido.
Porque ao abrir a boca é o inesperado. Igual a abrir a porta.
Ela sabe disso e trabalha na pizzaria.
É obra do caos isso tudo.
E daí? Já se vive no caos sem perceber. A coragem é ver e seguir mesmo assim.
Pois ela atende o telefone, às vezes sonha que vai mudar de cidade e vai pra perto da praia. Mas pensa que perto da praia não vai conhecer ninguém de interessante. E também ela não faz outro trabalho, porque não vai conhecer ninguém de interessante. Só se fosse em outro país, né? Mas outro país não dá por causa do dinheiro.
Assim vão os pensares dela. É ou não é merda?
No fundo a solidão dela é tanta que nem se arrisca a sair da pizzaria.
Vai que se apaixona?
Paixão é problema na certa.
Todo mundo diz que quer, mas não é assim. Paixão dá como espírito que baixa. É pior: nem diz a que veio. E o problema é de quem recebe. Depois, diz que não quer deixar nunca de estar apaixonado - e ja vai mentindo de novo...
Queria era acabar com esse negócio imediatamente. Porque é uma baixaria! Fica a pessoa lá, submetida, obediente que só vendo. E de vez em quando ela até se sente humilhada.
O truque é lembrar que tanto faz, que humilhação é uma constante se a gente pegar ao pé da letra. Então, e daí?
Aproveita que tá no meio disso tudo e tira uma casquinha.

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