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domingo, 15 de julho de 2012

SERASA DO AMOR


Arte de Cínthya Verri

“Casal amigo, voltei sob a promessa de que ele havia amadurecido. Mas vejo os mesmos erros do passado. Não sou de xeretar, mas descobri conversas secretas na internet, inapropriadas a ponto de me decepcionar, e olha que sou bem pouco ciumenta. Mente que parou de fumar. Até onde o defeito do outro é tolerável, e a mentira inofensiva? Beijo. Eva”

Querida Eva,
Você também deve ter conversas secretas na internet, e-mails duvidosos, mensagens ambíguas. Se ele varresse seu HD, não iria entender metade de seus pensamentos e diálogos. Porque estão fora de contexto.

Tudo soa como traição para quem se sente ludibriado. Um mero registro de floricultura na fatura já pode iniciar exaustiva investigação. Se ele falar a verdade, que foi para uma colega de trabalho, todos da empresa dividiram a conta, não vai acreditar. Não vai confiar, pois ele tem erros no passado. O mínimo tropeço é reincidência. É a confirmação do vício.

O lema “quem procura acha” pode ser alterado para “quem procura tem que achar”. Seu raciocínio é: descubro sem xeretar, logo, se eu explorasse os dados a fundo, ele seria liquidado.
Você colocou seu namorado no SPC da Fidelidade, no SERASA do Amor. É ele lançar uma promessa que faz questão de vetar. É ele ensaiar uma recuperação que reprisa suas falhas. As palavras dele não têm crédito para você.

Não está disposta a recomeçar, mas a se vingar, oficializar ao mundo que o tipo não presta. Já sabe que ele trai, apenas quer o flagrante. Sua aritmética é letal. Trata-se de um fumante que sonega que fuma, portanto é um infiel que esconde suas cantadas.

Eu me posiciono a favor da ingenuidade. Melhor ser enganada uma vez do que viver assim com ciúme, imaginando o que não existe, sendo enganada a todo instante. Não volte nunca a um relacionamento se é para cobrar dívidas. Reconciliar significa esquecer.
Aliás, respondendo sua pergunta: o ressentimento é um defeito imperdoável.

Abraço com toda ternura,

Fabrício Carpinejar




Querida Eva,


A primeira descoberta dos médicos em técnicas de hipnose, há um século, foi impressionante: atendemos aos comandos que não recordamos haver recebido; cumprimos mandados aparentemente esquecidos. Em resumo: agimos sem saber por quê.

Um exemplo: depois de hipnotizá-la, um médico poderia sugerir que nos escrevesse esta carta na quinta-feira, às 13h. Despertaria do transe sem lembrar da ordem. Na quinta-feira, o dia transcorreria normalmente, mas depois do almoço, num impulso, digitaria sua mensagem. E aqui estaríamos nós, na aparente fluidez natural do dia-a-dia.

Grande parte das nossas decisões acontece de modo parecido: sem controle racional. Não sabemos por que agimos desta ou daquela maneira. Assim, Eva, querida, você também não sabe, na verdade, porque voltou com ele. Promessas de mudança são a tábua que usamos como desculpa. Ele é quem ele é, e você se engana até mesmo sobre si própria. Cria fachadas: que não é ciumenta, por exemplo, que não é de mexer nas coisas dele.

Mas, ao retirar todo esse seu pensamento da superfície, tem forte ciúme e penetra sempre na intimidade do computador dele. Nada disso é demérito. Nossas ações não têm roteiro claro e o grande farol ainda é o desejo. Está confusa porque é inteligente: vê que ele ainda é o mesmo e mesmo assim não o deixou. Então você se questiona que tipo de mulher é você? Do tipo humana, garanto.

Esqueça a convenção moral: ela está exigindo atitudes drásticas. Não há pressa. Terminar precocemente um relacionamento implicará em idas e vindas, é um desgastante ioiô. Apenas se pergunte se ainda gosta dele todas as manhãs.

Beijos meus,

Cínthya Verri
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 15/07/2012 Edição N° 17131

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